Bioplásticos e ondas gravitacionais dão vitória a jovens cientistas

A competição ocupou a Alfândega do Porto nos últimos três dias e premiou projectos em áreas científicas diversificadas. Os estudantes vencedores terão a oportunidade de representar Portugal pelo mundo.

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Nelson Garrido

Em 2018, um projecto sobre a produção sustentável de plásticos valeu a João Gomes, Maria Castro e Patrícia Cruz um dos dois primeiros prémios da Mostra Nacional de Ciência, que os levou até Phoenix, nos Estados Unidos da América, para participarem na Feira Internacional de Ciência e Engenharia (ISEF). Agora, em 2019, decidiram participar novamente no concurso português por entenderem que o trabalho do último ano poderia ser “melhorado e aperfeiçoado”. A poucas horas da receberem a notícia de que iriam revalidar a vitória, preferiam não “criar demasiadas expectativas” e pareciam contentar-se com uma menção honrosa — apesar do feedback “muito positivo” que receberam dos jurados. O resultado nesta competição, que terminou este sábado, 1 de Junho, na Alfândega do Porto, garante-lhes um prémio de 1250 euros e uma viagem até Sófia, na Bulgária, onde representarão Portugal no Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas (EUCYS).

Mas o lugar cimeiro do pódio conta ainda com outro vencedor: um projecto sobre ondas gravitacionais e que teve por base a análise da colisão de dois buracos negros, em 2015, e a colisão de duas estrelas de neutrões, em 2017. Para este estudo, Ana Moreira e João Alvares serviram-se da ferramenta ROOT, desenvolvida pelo CERN para o estudo da física de partículas, que adaptaram à astrofísica. O ponto de partida para o projecto — o prémio Nobel da Física de 2017 — parecia já augurar um bom resultado para os jovens naturais de Braga. Tal como os colegas com quem dividem o primeiro lugar, Ana e João “esforçaram-se muito por não criar expectativas” e, em declarações ao P3, realçavam os ganhos da experiência. “Os júris apresentam críticas muito construtivas e conselhos.” À experiência e ao prémio monetário poderão ainda juntar uma viagem à Califórnia, em Maio de 2010.

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Luana Rossi tem 18 anos e está pela primeira vez em Portugal. A jovem moçambicana não tem dúvidas de que a viagem que a trouxe de Maputo para o Porto é um prémio mais do que suficiente. E nem a possibilidade de o seu projecto — que prevê o uso de vísceras de peixe como biofertilizante — ser um dos premiados da 13.ª Mostra Nacional de Ciência faz com que o sentimento de gratidão desvaneça: “Isto está a ser muito inspirador. Vir de um continente completamente diferente, ver os trabalhos dos outros participantes, ter a oportunidade de representar o nosso país, a nossa escola… Estou muito grata, é uma honra.”

É a mesma postura de responsabilidade que adopta quando lhe pedem para descrever o projecto no qual trabalhou durante meses: um biofertilizante que pudesse ser utilizado na agricultura moçambicana, a principal fonte de subsistência do país, sem deixar vestígios químicos e prejudiciais ao ecossistema. Nas vísceras dos peixes encontram o principal componente do biofertilizante, uma matéria que, segundo Diogo e Raissa, os restantes elementos do grupo de Luana, existe em grande quantidade em Moçambique, por ser “deitada fora”. Os três jovens vão regressar a casa com um peso extra na mala: o projecto foi um dos seis galardoados pelo júri com uma menção honrosa.

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Do lado aposto ao expositor de Luana, Diogo e Raissa, está o de Catarina, Maria e Raquel. Apesar da distância que os separa no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, a preocupação com questões relacionadas com a sustentabilidade e o ambiente une-os. Foi por isso que as três estudantes decidiram candidatar-se à mostra com um projecto chamado “comPET sem PET”. À primeira vista parece indecifrável, mas as jovens são rápidas a esclarecer as dúvidas: “É um trocadilho com a vertente da competição e um tipo de plástico, o PET — politereftalato de etileno.”

O trabalho é, precisamente, sobre microplásticos, mas a abordagem difere do que tem sido visto nos últimos tempos. “Quando se ouve falar em microplásticos é geralmente associada à vertente marítima, por isso tentámo-nos centrar no meio aéreo.” Como forma de chegar aos resultados, as três estudantes da Escola Secundária Júlio Dinis, em Ovar, fizeram testes em vários contextos, nomeadamente no interior de habitações, através dos aspiradores que simbolizam a deposição de microplásticos. Desta recolha de dados surgiu uma conclusão que surpreendeu as jovens: os níveis deste componente em ambiente doméstico são quase tão elevados como nas praias. “É algo preocupante, os resultados estão equiparados aos obtidos em praias, mas só se fala na questão das praias. No entanto, é em casa que passamos uma parte considerável do tempo”, refere Maria Lopes.

Um professor digno de prémio

A meio do pavilhão onde mais de 200 jovens trocavam ideias e partilhavam o nervosismo de quem vê o júri aproximar-se, estava uma pessoa comum aos três grupos e que pode, muito bem, ser o motivo pelo qual estes nove estudantes passaram os três últimos dias no histórico edifício da margem do Douro. Ao longo das 13 edições da Mostra Nacional de Ciência, organizada pela Fundação da Juventude, o professor Carlos Oliveira já concorreu com mais de 100 projectos, o que dá qualquer coisa como uma média de 10 trabalhos por ano. A autonomia exigida aos alunos, a disparidade de áreas que cada trabalho pode tocar e a obrigação de redacção de um artigo científico — para muitos estudantes, o primeiro — são alguns dos aspectos da competição que Carlos Oliveira destaca.

Nelson Garrido
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Na edição de 2019, Carlos teve quatro projectos a concurso, três dos quais orientados desde Moçambique. Foi na Escola Portuguesa de Moçambique que o professor leccionou durante o último ano, depois de a instituição lhe ter apresentado um convite com base no envolvimento e participação do professor nestes projectos de investigação. “O que eu tentei fazer foi desenvolver um trabalho idêntico ao que fiz em Portugal”. No entanto, até um professor com uma vasta experiência como a de Carlos pode ser surpreendido pelas diferenças climáticas dos dois continentes. “Eu estava a tentar desenvolver três projectos, mas nem todos correram bem.” Da 13.ª edição saiu duplamente premiado: além da menção honrosa dos alunos moçambicanos, Carlos foi também o professor orientador do projecto “Bioplástico dá-te Vida 2.0”, o trabalho de João, Maria e Patrícia que venceu o primeiro lugar. Mas dificilmente ficará por aqui.

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