Um espectáculo de memórias colectivas para homenagear 16 anos de Serralves em Festa

Miguel Pereira baseou-se em relatos de espectadores e participantes das anteriores edições para criar uma peça em que a ficção se mistura com recriações do espírito festivo do evento.

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O coreógrafo Miguel Pereira ouviu espectadores e artistas de edições anteriores do Serralves em Festa NELSON GARRIDO

No longo e diversificado programa que a edição deste ano do Serralves em Festa apresenta, há um espectáculo que se destaca pela ligação intrínseca entre o seu enredo e a história do museu e da fundação: The Big Show SEF. Descrito pelo seu autor, o coreógrafo Miguel Pereira, como um espectáculo de “variedades”, baseia-se em testemunhos e relatos de artistas que passaram pelo evento ao longo das suas várias edições, mas também do público que ano após ano enche o recinto da fundação com expectativas e gostos tão variados como o próprio programa. “Queríamos conhecer momentos curiosos, divertidos e até insólitos que as pessoas viveram aqui”, explica ao PÚBLICO.

A ocasião não poderia ser melhor. Afinal de contas, a performance serve o propósito de festejar não só o 16.º aniversário do Serralves em Festa — que este ano tem como tema “Celebrar Serralves” —, mas também o 20.º aniversário do museu e o 30.º da fundação.

Apesar da sua longa relação com Serralves — ali apresentou, por exemplo Top 10, em 2005 —, Miguel não esconde a surpresa que sentiu durante a recolha de dados e informações para o espectáculo, já que grande parte das pessoas preferiu dar destaque aos momentos de fruição pessoal e à envolvência com o espaço em detrimento das próprias propostas artísticas. “Há pessoas que associam o Serralves em Festa a beijos porque experienciaram um momento em que o pessoal se começou todo a beijar, mas também a armários, porque numa edição havia armários espalhados pelo recinto.”

Conjugar todos estes relatos e dar-lhes vida parece ser uma experiência desafiadora, tanto que o criador e intérprete confessa algumas noites mal dormidas. A dificuldade tornou-se ainda maior quando Miguel alargou as metas delineadas e, além do público, decidiu chamar a cena alguns dos participantes de edições anteriores. A selecção fez-se através de um open call na Internet que serviu para o coreógrafo ter um primeiro contacto com as memórias individuais e colectivas do Serralves em Festa.

O espectáculo final reúne pessoas com e sem experiência no mundo do espectáculo, num conjunto total de quase 30 intérpretes. O que, como seria de esperar, veio acrescentar dificuldade à tarefa, ainda que o criador não estivesse a caminhar em terreno desconhecido. “Tenho por hábito trabalhar com grupos heterogéneos, de onde fazem parte profissionais e amadores.” Para colmatar a falta de experiência, Miguel opta por conversar com os recém-chegados artistas, de forma a perceber as mais-valias que cada um pode trazer, mas também as suas fragilidades: “Não quero que as pessoas se sintam desconfortáveis em palco!”

Quem estiver na Clareira das Betúlas este sábado às 22h30 vai poder assistir a um espectáculo único, tão único que, a quatro dias de acontecer, o próprio criador, que estará em palco enquanto “anfitrião”, ainda não sabia exactamente o que esperar: “Só no momento”, diz. A imprevisibilidade do espectáculo radica na sua forte componente participativa, uma vez que o comportamento do público é impossível de antever.

O que parece ser, à partida, um dado seguro é a variedade de expressões artísticas convocadas para esta experiência “muito pouco conceptual” e que pode incluir, por exemplo, a “leitura de um poema” ou outras formas de expressão artística que nada tenham a ver com artes performativas.

Da realidade à ficção

Miguel Pereira defende a ideia de que no espectáculo há um forte lado ficcional. Os episódios retratados não fazem jus aos acontecimentos exactamente como estes decorreram, principalmente porque a memória assume uma parte importante na formulação do enredo. Surgem por isso deturpados, desobedecendo à ordem pela qual tiveram lugar no festival. Até porque grande parte das pessoas não tem “memórias concretas, apenas coisas vagas que se misturam”.

Um dos exemplos que prova o quão traiçoeira pode ser é a própria participação de Miguel Pereira no evento em 2004, que o próprio não tinha presente e que lhe foi recordada pela programadora Cristina Grande. Mas não só dos relatos de espectadores e artistas se fez The Big Show SEF. As pessoas que viveram a iniciativa do lado de fora do recinto também tiveram uma palavra a dizer, através das imagens que construíram nas suas cabeças do que seria o festival. “Uma das pessoas que ouvimos mencionou as filas de pessoas que se formam lá fora. É a ligação dele a Serralves e através dessa imagem construiu uma história.”

O autor recusa, no entanto, a ideia de que o espectáculo possa tornar-se uma presença constante no programa do festival, actualizando-se anualmente com relatos de novos membros do público. “Não é o que está planeado, mas poderá ter continuidade. Construí algo para um contexto específico.” Esse algo, como o próprio faz questão de reforçar, “não é um espectáculo de memórias, mas um espectáculo feito com e a partir de memórias”. Texto editado por Inês Nadais

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