Queixas apresentadas por estrangeiros a viver em Portugal mais do que duplicam

Em 2018 foram apresentadas à provedora de Justiça 467 queixas relativas a assuntos com estrangeiros. Provedora alerta para o facto de a concessão de autorização de residência não se poder basear “em simples fórmulas matemáticas”.

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PAULO PIMENTA/ Arquivo

Em 2018, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, recebeu 467 queixas relativas a assuntos com estrangeiros – uma categoria que engloba, por exemplo, os processos de concessão de autorização de residência para os que chegam a Portugal. O número de queixas “mais do que duplicou” face aos anos anteriores, refere o relatório da provedora entregue à Assembleia da República 2018 e divulgado nesta quinta-feira. Em 2017, registaram-se apenas 231 queixas.

No próprio relatório são avançadas várias hipóteses para explicar este aumento brusco no número de queixas apresentadas: uma delas é o facto de a lei ter mudado, fazendo desaparecer o carácter excepcional da concessão de autorização de residência e introduzindo prazos mais curtos do que os fixados pela anterior legislação. “Muitas queixas foram recebidas, justamente a propósito da dificuldade criada para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no atendimento oportuno de tais solicitações”, lê-se no relatório.

Apesar das queixas, os números apresentados pelo SEF (e o aumento significativo das autorizações de residência concedidas) revelam “a resposta que a administração ainda assim conseguiu [dar]”. Mas fica o alerta: “Não se antevendo uma diminuição da procura, merece especial preocupação a questão do reforço de meios com vista a garantir o atendimento adequado por parte do SEF, seja neste âmbito, seja no das demais funções que tem a seu cargo.”

Ainda no que respeita à actuação do SEF, também a falta de “disponibilidades de atendimento” foi referida no relatório – como já antes tinha sido identificada com base nas reclamações registadas no Portal da Queixa. As consequências são negativas “na esfera individual” e não contribuem “para a boa imagem do Estado”, refere-se no documento.

A própria lei parece promover algumas situações de irregularidade e de violação dos direitos dos estrangeiros por estar afastada da realidade, lê-se no relatório. Para a obtenção de visto de residência para o desempenho de actividades profissionais, por exemplo, parece ser possível concluir que não existiria “um resultado negativo”, se “o cidadão estrangeiro já se encontrasse em território nacional”. Essa situação, a verificar-se, tem origem num “período inicial de irregularidade, com todas as consequências negativas que para os próprios interessados daí decorrem, como também para a sociedade em geral”.

Decisões com base em “simples fórmulas matemáticas"

Ainda sobre a entrada de estrangeiros em território nacional “aumentaram igualmente as queixas respeitantes a atrasos ou recusas na concessão de vistos, estando geralmente em causa o direito ao reagrupamento familiar”. O relatório especifica um caso concreto, em que o reagrupamento de uma família (uma mulher e dois filhos, estando o marido/pai já a viver em Portugal) ficou em risco, porque a análise dos rendimentos mostrava que só seria possível “permitir a residência em Portugal do casal e de um dos dois filhos”.

“Embora esta situação concreta tenha tido solução favorável, pode servir como alerta para a inadequação do recurso a simples fórmulas matemáticas para estruturar uma decisão correcta”, refere o relatório.

O documento relata ainda uma outra situação, a propósito de um pedido de reagrupamento de um refugiado sírio a viver em Portugal. Os vistos para a família que se encontrava na Síria foram emitidos, mas “mostrava-se problemática a exigência da comparência na Embaixada de Portugal em Nicósia, para aposição das vinhetas de visto no passaporte”. Tudo ficou resolvido com a articulação com as autoridades cipriotas no Líbano, mas a provedora da Justiça deixa um conselho: “A dimensão da rede consular portuguesa não deve constituir obstáculo, mais a mais no quadro da União Europeia.”

Para terminar, o relatório refere ainda que “o preenchimento do tempo mínimo de residência para naturalização tem conduzido ao aumento de queixas respeitantes a atraso na instrução e decisão dos processos”. Apesar disso, tem havido um “esforço de articulação” entre os vários serviços do Estado que tratam deste assunto, nomeadamente o Instituto de Registos e Notariado.

Este aumento no número de queixas surge num ano em que a provedora de Justiça registou um número recorde de queixas – foram 48 mil solicitações em 2018. Foi “o maior número de queixas de que há memória em toda a história da instituição”, declara Maria Lúcia Amaral, que ocupa o cargo desde 2017. E acentua: “Um volume excessivo de demandas pode impedir a fluidez das respostas e a formulação sensata de soluções para os problemas concretos que nos são colocados.”

“Durante o ano de 2018 este risco não se verificou. Nem as pendências aumentaram significativamente, nem o tempo médio de resolução das questões, o que se deve à solidez da instituição e à dedicação dos seus membros. No entanto, o desafio para o futuro é grande”, afirma a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral.

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