Golpe de Estado na Guiné-Bissau? Os militares garantem que não

Chefias das Forças Armadas reúnem três centenas de oficiais no meio de rumores e negam “ameaças de golpe”. Líder do PAIGC lança ultimato ao Presidente até 23 de Junho para indigitar o primeiro-ministro.

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Militares de guarda no Palácio Presidencial, em Bissau Joe Penney/Reuters

Os rumores de um golpe de Estado num país como a Guiné-Bissau, habituado a golpes de Estado, devem ser tidos em conta. Mais ainda quando passados dois meses e meio das eleições o Presidente da República continua sem chamar o partido vencedor das eleições, o PAIGC, para formar Governo.

A reunião desta quinta-feira do Estado-Maior das Forças Armadas, com a presença dos chefes dos três ramos das Forças Armadas, veio para acabar com os rumores, com o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o general Biaguê Na Ntan, a garantir aos jornalistas, finalizado o encontro, que os militares não pretendem intervir na crise política guineense.

“O povo da Guiné-Bissau pode dormir tranquilo nas suas casas, sem ameaças de golpes, sem ameaças de nada”, disse o general, citado pela Lusa, acrescentando que as Forças Armadas “não estão interessadas que haja conflito no país”, nem têm qualquer intenção de “entrar em nenhum jogo político”.

As cerca de três centenas de oficiais que assistiram à reunião no quartel-general em Bissau chegaram à conclusão “unânime” que não há “nenhum perigo iminente no país” e, como tal, não intervirão. Um anúncio que pode, no entanto, não descansar assim tanto a população, tendo em conta os três golpes de Estado, em 1980, 2003 e 2012, e a revolta militar de 2010 (o então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior foi preso, conseguiu voltar a assumir o cargo, só para ser derrubado dois anos depois).

A tomada de posição militar surge numa altura em que a corda da crise política parece quase a romper-se, tendo em conta o ultimato feito ao Presidente guineense, José Mário Vaz, pelo líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, esta quinta-feira, numa entrevista à Lusa, dando-lhe até 23 de Junho, data oficial para o fim do mandato presidencial, para indigitar o primeiro-ministro.

“Chegado a 23 de Junho sem que o Presidente da República por vontade própria – não é por ter estado impedido de o fazer – tenha nomeado o primeiro-ministro, não tenha fixado as eleições presidenciais e não tenha permitido o desbloqueamento e funcionamento das instituições políticas, a leitura política que faço é que o Presidente da República perde qualquer capacidade de continuar a ser Presidente da República”, referiu o líder do PAIGC.

O antigo partido único ganhou as eleições de 10 de Março com maioria simples (47 deputados em 102), mas já acordou com outros três pequenos partidos um acordo de incidência parlamentar para garantir a maioria estável de 54 deputados para governar. Mesmo assim, o chefe de Estado mantém-se em silêncio sobre a formação do Governo e sem marcar as presidenciais, apesar de estar em fim de mandato e serem precisos pelo menos 90 dias entre o anúncio da data e a realização de eleições.

“O Presidente da República já está a violentar este país, já está a abusar deste país, já está a obrigar ao conflito entre guineenses. Não é quem o chama à razão que está a provocar a violência, nós estamos a tentar evitar a violência, quem está a querer provocar a violência e o uso de outros mecanismos é o senhor Presidente da República. Ainda tem semanas para evitar isso e é esse apelo que eu lhe faço, que evite colocar a nação guineense, os cidadãos guineenses, numa situação que ninguém pretende”, acrescentou Domingos Simões Pereira.

Um indício de que o tempo dos protestos e das manifestações pacíficas está a chegar ao fim e que o prolongar da situação pode vir a gerar violência.

Na segunda-feira, o líder do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), formado a partir da cisão do PAIGC levada a cabo por 15 deputados e fomentada por José Mário Vaz, já tinha chamado a atenção para o tom, considerado inflamatório, das declarações que Domingos Simões Pereira fez no final da manifestação do passado sábado.

O partido liderado por Braima Camará condenou, em comunicado, “as declarações provocatórias e subversivas do líder do PAIGC por incitar à violência e à anarquia no país”. Para o Madem, trata-se de um “comportamento abusivo, arrogante e ilegal, motivado pela obsessão pelo exercício do poder absoluto”.

À Lusa, Domingos Simões Pereira admitiu que se não for primeiro-ministro, o mais certo é que acabe a desafiar José Mário Vaz nas eleições presidenciais. “Se o meu partido entender que o desígnio de derrotar José Mário Vaz nas eleições se sobrepõe àquilo que tem sido o nosso desígnio neste momento”, o de liderar o Governo, então “não posso descartar essa possibilidade”.

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