Gigantes desportivos: competência, coragem e talento político para reformar o desporto português

Portugal pode ter a média de produtividade olímpica que quiser, não pode é não ter uma política pública desportiva em negação como actualmente acontece com o silêncio absoluto dos parceiros desportivos.

O filme Hidden Figures apresentado na SIC, a 12 de maio de 2019, trata das vicissitudes que mulheres de raça negra, licenciadas em matemática, tiveram de passar para se afirmarem com sucesso no projecto inovador da NASA de colocar astronautas americanos em órbita da Terra, de os enviar à Lua e de os trazer de volta.

A cena do filme que interessa a este artigo, passa-se em 1961 quando se discutia na NASA a amaragem da cápsula de John Glenn no oceano Atlântico, depois de um período no espaço em que daria algumas voltas à Terra. O responsável da Marinha refere que não lhe podem pedir para cobrir todo o oceano e necessitava que lhe garantissem que a chegada da cápsula com o astronauta ao oceano aconteceria num determinado local com 50 quilómetros quadrados. Dado que na enorme mesa ninguém tinha a resposta o director Harrison (o actor Kevin Costner) entrega um giz e pede à matemática Katerine Goble (a atriz Taraji Henson) que explique a todos como a operação decorrerá.

Katerine Goble dirige-se a um quadro e enuncia que tomando as Bahamas como local de amaragem, a decisão de John Glenn continuar a órbita ou de a abortar voltando à terra teria de se decidir a 5 km de distância. Com o giz escreve a equação, considerando a velocidade da cápsula de 28.234 km por hora desde que chegara ao espaço, o ângulo de descida, a gravidade terrestre, a velocidade de reentrada na atmosfera, etc., que assegurava a chegada da cápsula à latitude X e à longitude Y das Bahamas como solicitado para os 50 km2 aonde estariam os navios e os helicópteros que recolheriam a cápsula e o astronauta.

Os gigantes americanos

Nas palavras do director Harrison, o projecto integrou gigantes que colocaram os norte-americanos a orbitar a Terra, irem à Lua e a voltarem sãos e salvos. Os gigantes incluiriam o Presidente Kennedy que definiu o objectivo de chegar à Lua e as metas de orbitar a Terra com os seus aparelhos e de lá colocar um astronauta em resposta ao competidor directo na corrida espacial, a União Soviética. Entre outros, os gigantes foram as matemáticas de raça negra que demonstraram estar à altura dos desafios que a NASA tinha de resolver e acima do que era pedido aos seus colegas brancos. Outra característica do projecto americano em relação ao desporto português é a disponibilização de meios financeiros e organizacionais com o envolvimento de vários departamentos do Estado, Segurança, Marinha, informática, ciência, etc.

A corrida espacial tal como os Jogos Olímpicos são desafios sublimes que os países investem para afirmarem a excelência da sua nação, dos seus povos, dos seus regimes políticos, da sua economia e da sua cultura, entre outros vectores fundamentais.

A história dos Jogos Olímpicos está cheia das palavras e do arrojo dos políticos e das suas nações que se afirmam pelo querer inquebrantável e a determinação de os usar como elo de formação e maturação das nacionalidades.

No caso recente do Reino Unido existe um percurso de política pública desportiva com várias décadas de investimento no melhoramento das instituições de todo o seu desporto o que elevou a sua produtividade olímpica a níveis que nenhum outro grande país mundial alcançou de 1 milhão de habitantes por medalha conquistada, quando a média dos grandes países se situa entre os 2 e os 3 milhões de habitantes por medalha, e que agora chega à final da Liga dos Campeões de futebol com os 2 finalistas.

A órbita baixa do desporto português

Os líderes do desporto nacional não quantificam a produção nem determinam uma meta temporal. A figura 1 mostra a performance desde início dos Jogos Olímpicos em 1896 dos países da dimensão de Portugal e mais pequenos. A figura 2 compara a evolução de Portugal com outros países que têm menos décadas de participação nos Jogos Olímpicos.

A figura 1 é construída com as medalhas olímpicas dos primeiros, segundos e terceiros lugares acumulados por países europeus de micro dimensão, com menos de 5 milhões de habitantes, por países de dimensão pequena entre 5 milhões de habitantes e 8 milhões de habitantes e por países de média dimensão entre os 8 milhões de habitantes e menos de 20 milhões de habitantes. Não são considerados na figura 1, os grandes países com mais de 20 milhões de habitantes.

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Formam-se 3 grupos países: o grupo 1 da produtividade menor na conquista de medalhas olímpicas; o grupo 2 da produtividade média; e, o grupo 3 da produtividade superior. A figura 1 identifica a dimensão populacional dos países da amostra em micros, pequenos e médios.

No grupo 1 da menor produtividade Portugal é um país médio com 10 milhões de habitantes e conquistou o menor número de 24 medalhas entre todos os países considerados. Neste grupo junta-se a Irlanda, um país micro com menos de 5 milhões de habitantes, que conquistou 31 medalhas. No grupo 2 da produtividade média encontra-se a Áustria com 95 medalhas que pertence ao grupo dos países que tem até 200 medalhas acumuladas e a que pertencem a Bélgica, Noruega, República Checa, Suíça e Dinamarca. O grupo 3 dos países de produtividade superior varia entre as cerca de 300 medalhas conquistadas e as 50 medalhas e integra a Holanda, a Finlândia, a Hungria e a Suécia que é a campeã.

A conclusão da figura 1 é que os países mais pequenos do que Portugal como a Finlândia, a Dinamarca, a Noruega e a Irlanda ganharam ao longo dos 100 anos de participação olímpica mais medalhas do que Portugal não consegue produzir.

Todos os países foram e estão a ir-se embora e o desporto nacional ficará sozinho

A análise dos países que tiveram uma transformação de regime político demonstra que o nível de acumulação das medalhas mesmo nos países mais pequenos com menos de 5 milhões de habitantes é superior à produtividade olímpica de Portugal.

A figura 2 apresenta os países que começaram a participar a partir da transformação do seu regime político. A República Checa que pertence ao grupo dos países que conquistaram até 200 medalhas resulta da divisão da Checoslováquia em República Checa e Eslováquia. Verifica-se que apesar da divisão do país, o declive da conquista das medalhas é equivalente antes e depois da passagem do regime soviético para o democrático.

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No caso de Portugal e de Espanha o ano de 1976 marca os últimos Jogos Olímpicos em que os resultados são aproximados. Depois desses Jogos Olímpicos a inclinação da curva de Espanha é igual às curvas da República Checa e da Eslováquia e sugerem a existência de um padrão de sucesso.

Países como a Ucrânia e a Bielorrússia depois da saída da URSS passam a acumular medalhas com médias elevadas de conquista de medalhas. O grupo mais interessante é o dos países micro com menos de 5 milhões de habitantes, como a Croácia, a Estónia, a Geórgia, a Eslovénia e a Lituânia, que se tornam independentes no início da década de 90 e têm níveis de produtividade que lhes permitem em 7 Jogos Olímpicos ultrapassar Portugal que possui mais de 10 milhões de habitantes e compete nos Jogos Olímpicos desde 1924.

A conclusão da figura 2 sugere que Portugal deveria conquistar a média de medalhas dos países que possuem uma dimensão populacional equivalente ao país. Os países europeus médios entre os 8 milhões de habitantes e os 20 milhões de habitantes têm uma média de 7 medalhas por Jogos Olímpicos. Este indicador permitiria ao desporto nacional comportar-se ao nível de todos os países europeus e duplicar o seu número de medalhas em 3 Jogos Olímpicos, em vez de esperar que passem mais 100 anos de produtividade medíocre.

A produtividade olímpica de Portugal é inaceitável

Os países mais eficientes são os países com menos de 5 milhões de habitantes, tendo um nível de produtividade de 500 mil habitantes para conquistar uma medalha olímpica. Os maiores países com mais de 20 milhões de habitantes são os menos eficientes a conquistar medalhas necessitando entre 2 e 3 milhões de habitantes para conquistar uma medalha olímpica.

O quadro 1 divide na coluna 1 os países europeus pela produtividade: os países eficientes e os ineficientes. Na coluna 2 os países são qualificados dividindo a sua população pelo número de medalhas conquistadas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

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Começando pelos países com eficiência produtiva:

Os países mais pequenos precisam de 500 mil habitantes para conquistar uma medalha e que esses países têm na sua maior parte menos de 5 milhões de habitantes.
Seguem-se os países que necessitam de 1 milhão de habitantes para produzirem uma medalha e que na sua maior parte são países de dimensão média, a dimensão de Portugal. Estes países também são maioritários no agrupamento seguinte da produtividade de 1,5 milhões por medalha.
Entre os 2 e os 3 milhões de habitantes por medalha estão os grandes países.

O grupo dos 6 milhões de habitantes por medalha olímpica corresponde a níveis de ineficiência produtiva que se poderá qualificar de ineficiência baixa.

No nível seguinte de ineficiência alta está a Áustria e Portugal. A Áustria é um país que já conquistou 95 medalhas olímpicas e que recentemente atravessa uma baixa de produtividade.

Portugal pode ter a média de produtividade olímpica que quiser, não pode é não ter uma política pública desportiva em negação como actualmente acontece com o silêncio absoluto dos parceiros desportivos.

À política pública do desporto nacional falta a produtividade de nível europeu

Em Portugal os Governos decidem habitualmente continuar a frágil actividade desportiva e nunca decidem cortar com essa rotina e investir na prática generalizada de desporto pela população e na conquista de medalhas entre outros indicadores de sucesso desportivo.

O desporto português necessita de um momento fundacional por parte de um alto responsável público que proclame uma “palavra”; um discurso; uma decisão; um programa; um projecto; uma visão; uma paixão (Guterres dixit); uma motivação de política pública nacional de resposta a um resultado desportivo de excepção, etc. etc. etc.

As selfies com os campeões desportivos ocasionais são seiva populista de quem cala a política pública desportiva e cavalga o almoço grátis no camarote!

O acto de política pública desportiva teria de ser mais poderoso do que o que gerou a antiga Lei de Bases do Sistema Desporto em 1990 e que colocou o desporto nacional num contexto superior ao passado de décadas de ordenamento jurídico corporativo ou o que se candidatou e criou o campeonato europeu de futebol, Euro2004. Houve limitações que levaram à jurisdicionalização do direito desportivo e actualmente destroem o desporto e houve limitações por ocasião do Euro2004 que se evidenciaram no fracasso relativo em Pequim2008 e desde então se agravaram. A vitória no campeonato europeu de 2016 em França foi um magnífico e belíssimo acaso. Deve estar-se ciente que não foi uma consequência das decisões de política pública desportiva e surgiu contra a evidência da catástrofe que se reconhece se passou no Sporting Clube de Portugal e passa mais além endemicamente.

O desporto português mantém-se numa órbita baixa, num limbo pequeno e “orgulhosamente só” que recusa a ciência, a democracia, a solidariedade, a sustentabilidade, o século XXI, a integridade dos líderes de excepção, o talento ao serviço da política pública desportiva, a competitividade desportiva e a determinação do consenso nacional do que será o desporto para os seus filhos e netos.

Essa órbita baixa suscita interrogações como as seguintes: O que aconteceria se os jovens atletas portugueses em vez de competirem com as más condições nacionais competissem com as condições dos restantes países europeus? Uma pergunta melhor é: que resultados desportivos seriam produzidos pela juventude portuguesa se tivesse as mesmas condições da juventude de todos os outros países europeus, em vez das condições cronicamente medíocres da política pública desportiva que lhe são oferecidas pelo Estado português?

O que receiam ou esperam os políticos portugueses do desporto nacional?

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