Controlo do narcotráfico na Amazónia por trás de massacre em prisões de Manaus

Os 57 mortos são fruto do fim da trégua entre as facções Frente do Norte e Comando Vermelho. Autoridades temem que o Primeiro Comando da Capital aproveite para tentar apoderar-se de rota do tráfico.

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Familiares dos detidos reagem junto ao gradeamento do Complexo Penitenciário Anísio Jobim Bruno Kelly/REUTERS

Uma luta de facções criminosas dentro de várias cadeias em Manaus causou a morte de 57 presos. Menos de um ano e meio depois de um massacre semelhante (com 56 mortos), o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) volta a ser o cenário de uma guerra sangrenta pelo controlo de uma rota do tráfico de cocaína desde a fronteira, a denominada “rota Solimões”.

Desta vez, as mortes não ficaram confinadas ao Compaj, onde começaram no domingo com 15 mortos. Esta segunda-feira, além de mais de quatro mortos no complexo penitenciário, também morreram 25 reclusos no Instituto Penal Antônio Trindade, outros seis na Unidade Prisional do Puraquequara e ainda cinco no Centro de Detenção Provisória Masculino.

Uma traição cometida por um líder da Frente do Norte (FDN) fez cair por terra as tréguas com o Comando Vermelho (CV), que duravam desde 2015, e iniciou um banho de sangue que chegou a mais de meia centena de mortos e que as autoridades temem que possa ainda aumentar. O grande receio é que outra facção criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC), entre também na luta pelo controlo da região.

Aliás, a trégua entre a FDN e o CV estava directamente relacionada com as movimentações do PCC, como forma de protecção contra os avanços deste na rota do tráfico que traz a cocaína e a cannabis produzida no Peru e na Colômbia, sobretudo pelo rio Solimões.

Segundo Guilherme Torres, delegado titular da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Amazonas, a guerra entre as facções criminosas teria começado com uma traição arquitectada por Gelson Carnaúba, conhecido por Mano G, que integrava a FDN.

Mano G, que foi quem assinou a aliança entre as duas facções, quando passou pela penitenciária federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, era um dos três líderes da FDN, com José Roberto Fernandes Barbosa, conhecido como Zé Roberto da Compensa, e João Pinto Carioca, o João Branco, até ser expulso pelos outros dois quando o plano foi descoberto.

“Quando eles descobriram o plano, expulsaram o Gelson. Como ele já tinha ligações fortes com o Comando Vermelho desde os tempos em que estava em Campo Grande, agora, ele é o homem do CV no Amazonas”, afirmou o delegado, citado pela UOL Brasil.

O sistema prisional brasileiro faz transferências constantes destes presos de alto perfil entre cadeias de alta segurança, como forma de obstar às comunicações entre os líderes das facções criminosas e os seus homens no terreno, sem sucesso. A informação continua a circular para fora e para dentro das prisões e os “salves”, as ordens dos chefes das facções detidos, saem sem dificuldade das cadeias. O CV continua a ser liderado por Fernandinho Beira-Mar, que está preso desde 2002 (inclusivamente foi condenado a 120 de prisão por liderar uma luta de facções entre detidos). João Branco e Mano G estão presos na penitenciária federal de Catanduvas, no Paraná, e Zé Roberto na de Campo Grande.

Fora do comum

Contrariamente ao habitual neste tipo de lutas entre gangues no interior de prisões, os dois dias de matança no complexo de quatro presídios de Manaus começaram no período de visita no domingo. Houve presos que foram assassinados à frente dos seus familiares. Outros foram mortos por asfixia, quando os guardas procuravam transferir possíveis vítimas para outras celas.

“Detectámos através da inteligência que estava se preparando mais uma acção dentro da cadeia para cometer mais crimes”, referiu o secretário de Administração Penitenciária do Amazonas, Vinicius Almeida, citado pela Folha de São Paulo. O secretário garante que essa acção permitiu impedir mais mortes. “O monitoramento da situação do sistema prisional continua sendo feito, com reforço policial nas áreas externas de todo o sistema”, acrescentou, numa nota divulgada à imprensa.

As autoridades penitenciárias suspenderam as visitas por 30 dias e a Guarda Nacional estabeleceu barreiras de controlo a quatro quilómetros do Compaj, deixando os familiares dos presos angustiados sem informação, temendo o pior.

O possível alastramento da violência para fora do Compaj é algo que também preocupa as autoridades do Amazonas. O fim do pacto entre o FDN e o CV poderá trazer um aumento da criminalidade ligada ao tráfico de droga.

Nos últimos meses, apesar da trégua, já se vinha registando uma morte por dia ligada ao tráfico de droga em Manaus, a capital do estado. Segundo Guilherme Torres, a maioria dos homicídios registam-se no bairro do Mutirão, na zona norte da cidade, e na região do Igarapé do 40, na zona sul.

Essa violência pode agora redobrar. Mais ainda se o PCC agir para conseguir benefícios da guerra das outras duas facções para controlar a rota Solimões. Esta facção já domina desde 2016 a denominada “rota caipira”, por onde é trazida para o Brasil a cocaína e a cannabis produzida na Bolívia e Paraguai, que entra através do Mato Grosso do Sul e passa pelo interior de São Paulo. Nessa altura, o PCC assassinou o traficante Jorge Rafaat e ficou com o controlo dessa rota.

Em Abril, a revista Veja publicou uma notícia sobre o aumento da criminalidade do narcotráfico em cidades como Manaus, em que descreve bairros completamente controlados pelas facções criminosas, e fala de uma transformação da Amazónia num novo Rio de Janeiro.

O Ministério da Segurança Pública brasileiro calcula que existam 70 organizações criminosas espalhadas pelo Brasil, enquanto o Anuário Brasileiro de Segurança Pública assinala actividades de 37 facções criminosas diferentes.

Na semana passada, no III Seminário Internacional de Segurança da Amazónia, em Manaus, o governador do Amazonas, Wilson Lima, explicava que “os entraves burocráticos e o défice de profissionais são o grande problema de segurança pública” no estado para combater o aumento do crime ligado às facções. “Vamos propor a criação de um batalhão para actuar em casos de grande repercussão e também de um banco de dados que reunirá informações sobre integrantes de organizações criminosas”, propôs na abertura do encontro de três dias.

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