Theresa May, a “rainha de espadas” entre a espada e a parede

Ainda me custa a acreditar, tal a resiliência demonstrada ao longo dos últimos três anos pela, agora demissionária, primeira-ministra do Reino Unido.

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Reuters/TOBY MELVILLE

Theresa May pode ter muitos defeitos, e tem, todos temos, mas se nos pedirem para escolher uma qualidade a escolha é óbvia: persistência. Persistência no cumprir de um sonho já com seis anos.

Mas não nos deixemos enganar pelas boas qualidades quando foi Theresa May quem criou um programa de repatriamento de imigrantes ilegais, anunciado em grandes parangonas por toda a Londres em 2013, ressuscitando sentimentos tão nacionalistas como xenófobos e onde o “Brexit” acaba por ser o filho inevitável, indesejado por uns, mas amado por tantos outros.

Mas se uma coisa é o controlo fronteiriço, outra é a sustentabilidade da economia de todo um país, de toda uma classe cujo modo de vida há muito usufrui do liberalismo europeu, sujeitando povos inteiros, ingleses incluídos, à flexibilidade laboral, mais conhecida por precariedade, sem esquecer os baixos salários, o trabalho parcial, a privatização da educação, dos serviços de saúde e das pensões, as quotas de produção agrícola, da pecuária e pescas, só para citar alguns exemplos.

E esta foi a grande contradição de Theresa May: por um lado manter vivo o capitalismo que alimenta as classes sociais dirigentes no Reino Unido, nobreza incluída, num país onde o feudalismo ainda está bem presente e onde a Rainha se encontra todas as quartas-feiras com o primeiro-ministro (e não é para tomar chá); e, por outro, a libertação de toda uma nação das garras desse mesmo capitalismo desenfreado onde o nacionalismo é apenas uma fachada para enganar os pobres de espírito e angariar (muitos) mais votos. 

Quiçá afogada na soberba, o grande tiro no pé de Theresa May foi a convocação de eleições antecipadas em 2017. Mas num país onde as eleições são o único voto de protesto das populações, o resultado lançou a primeira-ministra para um governo de minoria cujo aliado da Irlanda do Norte tem sido igualmente contraproducente na realização dos desejos de Theresa May.
Convenhamos, Theresa May nunca quis sair desta União Europeia. Theresa May queria controlo e autonomia e, simultaneamente, manter os laços financeiros tão preciosos como sangue para a alta sociedade britânica. Mas não se pode ter o melhor dos dois mundos e entre voltas e mais voltas eis a “rainha de espadas” entre a espada e a parede. Sem glória. Sem saída. Minto, com a porta agora aberta e onde a saída do Governo acaba por ser o resultado por muitos desejado.

Como pessoa de ciência, só acredito quando vejo e, confesso, ainda me custa a acreditar, tal a resiliência demonstrada ao longo dos últimos três anos pela, agora demissionária, primeira-ministra do Reino Unido. As boas notícias? De pouco importa se temos o Boris ou o Jacob na liderança do Governo quando o Governo ainda é minoritário. As más notícias? Receio os populismos, um “Brexit” à bruta cujo sofrimento está mais do que à vista e onde, mais uma vez, serão os imigrantes, os não britânicos, a pagar a factura. 

No fim, só há duas opções. Ou o Reino Unido sai sem acordo, ou o Reino Unido permanece na União Europeia. Eu escolho a segunda. Mesmo sabendo não concordar com esta (des)União. Afinal, se não estás de acordo, junta-te ao clube e muda as coisas por dentro. O Reino Unido tem sido muito bem-sucedido nesta estratégia, mais uma razão para a Theresa não querer sair.  Maldita democracia. Viva a democracia!

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