Com tradição na Paisagem

Formações académicas criativas, que suscitem a reflexão, e fomentem a capacidade de conceber modelos orgânicos da paisagem em constante mudança, como as Humanidades, a Arquitectura Paisagista e outras formações eminentemente de concepção, têm de ser mantidas.

No Portugal dos finais dos anos 40 do século XX, a Arquitectura Paisagista era um novo olhar técnico e científico sobre o território, não apenas espaço físico de actuação, mas como Paisagem, resultado da interacção do ser humano sobre o meio físico natural.

A disciplina foi olhada com alguma desconfiança pelo regime político de então. Francisco Caldeira Cabral, professor de formação clássica conservadora, de alta craveira intelectual e profissional, era um espírito independente, capaz de afrontar as decisões e as orientações políticas do regime em vigor, que ferissem o respeito exigível pelas leis de equilíbrio da paisagem e do seu ordenamento.

Ao mesmo tempo, a elevada qualidade profissional dos primeiros arquitectos paisagistas formados por Caldeira Cabral no Curso Livre do Instituto Superior de Agronomia (ISA) foi fundamental para forjar a credibilidade da nova formação académica, vencer a relutância de alguns arquitectos menos abertos a uma alteração dos padrões, e obter aceitação de reputados arquitectos, que receberam arquitectos paisagistas nos seus projectos. O Ordenamento Paisagístico, espinha dorsal da Arquitectura Paisagista, viu a sua metodologia conhecer grande unidade de pensamento em toda a escola paisagista europeia e americana, sendo disso exemplo o livro de Ian McHarg, Design with Nature.

Em Abril de 1974, os arquitectos paisagistas lançaram as bases para o Ordenamento do Território (OT). Especial relevo para o professor Gonçalo Ribeiro Telles e para um grupo de colegas, que desenvolveram e divulgaram o método e a prática do OT – ainda hoje, pilar fundamental da Política de Ambiente, apesar de desvios e lacunas do processo político.

Em 1975, Ribeiro Telles, responsável pela Política de Ambiente, com jovens colegas e profissionais de outras formações académicas, lançou a Licenciatura de Arquitectura Paisagista na renascida Universidade de Évora. O curso inovador enquadrava-se nos melhores planos de estudo das universidades europeias, abrindo claramente ao conhecimento e à prática da Ecologia que, nessa época, despontava no ensino académico. E fortaleceu-se, na Arquitectura Paisagista, a formação em Ordenamento do Território, sem desprezar as demais vertentes que a profissão abarca, e que fez da nova licenciatura um ponto de referência para a profissão – e para a Universidade de Évora. Aqui se formaram dezenas de brilhantes profissionais, especialistas nas diversas formas de intervenção sobre a paisagem, em Portugal e no estrangeiro, muitos adquirindo o grau de doutoramento, ocupando lugares relevantes no meio académico português.

O anúncio do termo da Licenciatura de Arquitectura Paisagista na Universidade de Évora, porque tem atraído poucos novos alunos, choca quem se interessa pela história e pelo significado deste curso naquela instituição do Alentejo; representa a desistência duma formação cada vez mais necessária num país parcialmente destroçado, por mal ordenado.

Formações académicas criativas, que suscitem a reflexão, e fomentem a capacidade de conceber modelos orgânicos da paisagem em constante mudança, como as Humanidades, a Arquitectura Paisagista e outras formações eminentemente de concepção, têm de ser mantidas, não se podendo reger-se apenas por critérios financeiros. Caberá providenciar os meios para, enquanto a procura do curso não for maior, assegurar que ele se mantém. No entretanto, compete mobilizar alunos que aproveitem o corpo docente ali existente, e garantir-lhes as condições para ali estudar e conviver.

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