Presos catalães foram protagonistas no arranque da mais segmentada legislatura de sempre

Parlamento espanhol iniciou funções entre juramentos criativos, apertos de mão simbólicos e fotografias incómodas. Eleição de Batet para presidente do Congresso dá pistas sobre fórmula para investir Sánchez.

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Catalães detidos foram muito aplaudidos à chegada Reuters/POOL
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Albert Rivera criticou juramento dos independentistas LUSA/BALLESTEROS
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Oriol Junqueras jurou a Constituição, mas apenas por "imperativo legal" Reuters/POOL
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Santiago Abascal sentou-se propositadamente atrás de Pedro Sánchez Reuters/POOL
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Uma deputada independentista desafia os apupos LUSA/BALLESTEROS
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Sánchez e Junqueras apertaram a mão, cordialmente LUSA/Ballesteros

No arranque da XIII legislatura espanhola, esta terça-feira, no Congresso dos Deputados, o difícil é escolher o momento a destacar. Entre a escolha dos novos órgãos, os juramentos provocadores dos independentistas, a tentativa de Albert Rivera de ser voz da oposição, a troca de palavras cordiais entre Pedro Sánchez, Pablo Iglesias e os deputados catalães detidos ou o plano madrugador do Vox para conseguir os melhores lugares, não faltaram momentos numa sessão dinâmica, tensa e desconcertante. Que não foi mais do que um espelho do estado de fragmentação da arena política espanhola, corroborado nas legislativas do final de Abril.

Durante toda a manhã e ao longo de repetitivas votações para a escolha do presidente e vice-presidente do Congresso e dos membros da Mesa, independentistas, nacionalistas e constitucionalistas, alguns deles ferozes adversários políticos, partilharam o mesmo espaço, cientes de que um aperto de mão, uma palavra, um sorriso ou uma simples troca de olhares fora do expectável daria azo a considerações políticas, de diferente natureza, entre os eleitores, os jornalistas e os analistas que assistiram ao evento, e os próprios deputados que nele participaram.

A presença em Madrid de Oriol Junqueras (Esquerda República da Catalunha), Jordi Sànchez, Jordi Turull e Josep Rull (Junts per Catalunya) – que aguardam na prisão pelo desfecho do julgamento pelo seu papel no movimento que culminou com a proclamação de independência no parlamento da Catalunha em 2017 – era o grande aperitivo da sessão plenária. 

Os quatro secessionistas foram recebidos no hemiciclo com aplausos dos deputados independentistas catalães e um ou outro grito de “fora daqui”, vociferado entre os estreantes do Vox (extrema-direita). O embaraço dos primeiros minutos acabou por ser quebrado por Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos, que os saudou cordialmente, seguido de Inés Arrimadas (Cidadãos), Aitor Esteban (Partido Nacionalista Basco), entre outros.

E numa das várias viagens que os 350 deputados tiveram de fazer até à Mesa para votar, Junqueras ainda conseguiu apertar a mão a Pedro Sánchez, segredar-lhe um “temos de falar” e oferecer uma sensação de normalidade a um statu quo constitucional que pouco tem de normal.

A madrugada do Vox

Adivinhando a troca de cumprimentos entre Junqueras e o ainda presidente do Governo de Espanha, Santiago Abascal saltou como uma mola do seu lugar, atrás de Sánchez, para evitar aparecer no plano com um “traidor da pátria”, como tantas vezes rotulou os independentistas catalães detidos. 

Foi caso para dizer que a procura de protagonismo do líder do Vox lhe saiu furada nessa situação. Isto porque Abascal e alguns deputados do partido de extrema-direita aproveitaram o facto de não haver lugares marcados na primeira sessão legislativa, para se sentarem nas cadeiras habitualmente ocupadas pelo PSOE.

Poucos minutos depois das 7h da manhã e quase duas horas antes do início do evento, já lá estavam, sentados, preparados para aparecer, sérios e circunspectos, em todos os planos televisivos com o líder socialista.

A estratégia só não foi 100% vitoriosa porque o deputado socialista José Zaragoza também acordou cedo e, percebendo a intenção de Abascal e companhia, não largou o seu assento, entre o dirigente do Vox e Iván Espinosa, do mesmo partido, possibilitando algumas das fotografias mais invulgares do dia.

Rivera e uma luz para o PSOE

Mais bem-sucedida foi a estratégia do Vox – mas também do Cidadãos – de abafar o juramento à Constituição dos vários deputados independentistas – catalães e bascos – particularmente dos secessionistas detidos. No que foi um dos capítulos mais tensos de uma manhã agitada, foi entre pancadas nas mesas e vaias audíveis que Junqueras, Sànchez, Turull e Rull usaram a criatividade para ultrapassar o obstáculo de defender a sua causa sem serem impedidos de tomar posse.

“De acordo com o compromisso republicano, como preso político e por imperativo legal, sim, prometo [cumprir a Constituição]”, proclamou Junqueras, no meio de apupos.

Desconfortavelmente sentado a poucos metros dos quatro deputados catalães, e pouco interactivo até aí, Albert Rivera procurou aproveitar o tumulto em volta dos juramentos dos independentistas para pedir a palavra à recém-eleita presidente do Congresso, Meritxell Batet, e exercer a posição de verdadeiro líder da oposição a Sánchez, às custas do péssimo resultado eleitoral do PP, de Pablo Casado.

Batet rejeitou a intervenção do líder do Cidadãos, que ficou acabrunhado, entre resmungos: “A república não existe”, “estão a insultar a Câmara”.

A eleição de Batet para o mais alto cargo do Congresso – o terceiro mais importante em Espanha, depois do rei e do presidente do Governo – acabou por ser o acontecimento político mais relevante da sessão, porque abre caminho para uma fórmula de investidura de Pedro Sánchez

A socialista catalã foi eleita à segunda volta, com 175 votos – menos um que a maioria absoluta –, distribuídos entre PSOE, Podemos, Compromís, Coligação Canária e Partido Regionalista da Cantábria. E sem a ajuda dos independentistas catalães.

Ora, com a possibilidade de suspensão dos deputados presos em cima da mesa e a ser decidida nos próximos dias pela Mesa, a barreira dos 176 deputados pode muito bem vir a ser circunstancial, facilitando a matemática a Sánchez e aos seus aliados.

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