Sobre Mega Ferreira no CCB

Com Mega Ferreira, o centro cultural reencontrou o seu caminho, abriu o espectro das escolhas artísticas, revelou inúmeros talentos, apoiou a sustentabilidade do sector e apresentou uma programação internacional de qualidade.

Apesar da estima e do respeito que tenho pelo Augusto M. Seabra, e reagindo às últimas afirmações por ele feitas sobre António Mega Ferreira, senti necessidade de exprimir a minha opinião. Os problemas do Centro Cultural de Belém (CCB) são muito vastos e não se podem resumir ao trabalho de uma pessoa. Com uma indefinição do seu papel, bem como inúmeras pressões por parte do Estado, constantes cortes financeiros ao longo dos anos e uma imagem de palácio de congressos e equipamento de aluguer, o CCB nunca foi capaz de se adaptar à mudança dos tempos nem de criar uma identidade. É evidente que, neste contexto, e por melhor que seja o perfil do administrador/director artístico, este terá sempre muitas limitações.

Pelo que me toca, apenas falo do que sei e testemunhei. Por exemplo, nas artes performativas, e com a preciosa colaboração de Luísa Taveira, cujo trabalho já vinha de trás, o CCB no tempo de Mega Ferreira co-produziu e programou muita da dança e muito do teatro de uma nova geração que se afirmava, numa altura em que muito poucas oportunidades existiam, enquanto mantinha projectos essenciais como a Box Nova e lançava a Fábrica das Artes. Criadores e projectos tais como Marlene Monteiro Freitas, Teatro Praga, mala voadora, Pedro Gil, Circolando, João Paulo Santos, mas também Olga Roriz, Paulo Ribeiro e eu próprio, só para citar alguns, aí encontraram o seu espaço de apresentação e, tantas vezes, de ensaio. Mas também criadores internacionais incontornáveis como Pina Bausch, Sasha Waltz, Joseph Nadj, Meg Stuart ou Bill T. Jones aí se apresentaram, cumprindo aquela que deveria ser uma das missões do CCB, expandir a fruição cultural às referências mundiais nas artes ao vivo. Mesmo trabalho internacional na fronteira da experimentação, como o extraordinário (M)imosa, projecto de Marlene Monteiro Freitas em colaboração com Trajal Harell, François Chaignaud e Cecila Bengolea (cartaz do Festival Alkantara), apesar de apresentados após a sua saída, ainda foram programados ou acolhidos por ele. Na música, e apesar de não ser a minha área, sempre tive a sensação que o CCB nesta altura se posicionou fortemente, com obras de Pedro Carneiro, do Divino Sospiro, do Shostakovich Ensemble, etc.

É certo que Mega Ferreira foi obrigado a redimensionar a Festa da Música para os Dias da Música, devido a profundos cortes de verba, bem como a acolher a Colecção Berardo, encerrando um Centro de Exposições com um percurso de excelência, que deixou pelo caminho curadores de referência como, por exemplo, Delfim Sardo. Mas, de facto, após o fortíssimo legado de Miguel Lobo Antunes e da sua brilhante equipa de programadores, a que se seguiu uma fase anódina, o CCB reencontrou, entre 2006 e 2012, temporariamente, o seu caminho, abriu o espectro das escolhas artísticas, revelou inúmeros talentos, apoiou a sustentabilidade do sector e apresentou uma programação internacional de qualidade.

Até subscrevo algumas das opiniões do Augusto M. Seabra no seu artigo, mas, no que toca à actuação do António Mega Ferreira, não posso concordar. A História até pode, mas não deve ser reescrita, e é obrigação primeira daqueles que dela têm um testemunho factual exprimirem-se para que tal não aconteça. 

Notícia alterada a 23 de Maio às 11h: Na versão anterior deste artigo mencionava-se que a obra (M)imosa, de Marlene Freitas em colaboração com Trajal Harell, François Chaignaud e Cecila Bengolea, fora programada por Mega Ferreira. Na realidade foi programada pelo Festival Alkantara em co-apresentação do CCB. 

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