Há 635 mil euros por explicar em contas bancárias de Moita Flores

Dinheiro encontrado nas contas do ex-presidente da Câmara de Santarém não coincide com o volume de negócios declarado. Mulher de Moita Flores justificou montante com empréstimos concedidos por familiares.

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Moita Flores diz que tudo será esclarecido DANIEL ROCHA

O Ministério Público encontrou depósitos em numerário não identificados tanto na conta de Moita Flores como na da empresa que este detém com a mulher, revelando, neste caso, uma discrepância de 635,6 mil euros em relação ao volume de negócios declarado, sem que, contudo, tenha sido encontrada relação com os factos do processo. O antigo presidente da Câmara de Santarém é acusado de ter causado um prejuízo patrimonial ao município e, com a sua conduta, ter perseguido “finalidades de cariz político e eleitoralista”. Moita Flores assegura, porém, que tudo será esclarecido.

Acusado juntamente com o antigo director do departamento urbanístico, António Duarte, da prática de três crimes de prevaricação e ainda (sozinho) de dois de participação económica em negócio, num processo relacionado com a realização de obras em instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, Francisco Moita Flores disse à Lusa que vai pedir a abertura de instrução.

O ex-autarca afirmou que está ainda “a digerir” a notícia de que foi constituído arguido num processo que considera resultar de um “disparate” que atribui ao seu sucessor, o actual presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves (também eleito pelo PSD), autor da participação ao Tribunal de Contas (TdC) dos factos que resultaram na acusação.

Ricardo Gonçalves afirmou não querer entrar numa disputa verbal com o seu antecessor, declarando que agiu “em defesa do interesse público e da verdade dos factos” e seguindo o aconselhamento dos seus assessores jurídicos, dados os “indícios verificados em alguns procedimentos”. Segundo o autarca, este procedimento tem sido adoptado sempre que exista “suspeita ou dúvidas”, seja qual for o mandato em que ocorreram os factos, deixando à justiça que apure se existe matéria criminal.

Para Moita Flores, o processo resulta de uma “sanha persecutória” e acusa o seu sucessor de não ter dado seguimento à criação de uma comissão, acordada pouco antes de deixar o executivo, com o fim de avaliar o que estava a ser pedido pela empresa que realizou a obra e que “exagerou nos preços”, procedimento que, no seu entender, teria resolvido o caso.

“Finalidades de cariz político e eleitoralista”

A acusação, a que a Lusa teve acesso, afirma que Moita Flores, que tinha suspendido o mandato em 16 de Julho de 2012, regressando a 15 de Outubro desse ano, se manteve em funções durante 15 dias, até à renúncia definitiva do mandato, apenas com o objectivo de assegurar a constituição da comissão arbitral destinada a avaliar o valor a pagar pela câmara à referida empresa.

Para o Ministério Público (MP), o ex-autarca agiu “com o propósito de vincular o município ao pagamento das obras ilegalmente realizadas no decurso do seu mandato, bem sabendo que, caso fosse alcançado um montante por acordo judicial homologado, o município teria de pagar esse montante sem que o tribunal tivesse de se pronunciar sobre a ilegalidade das obras”.

Entende o MP que Moita Flores, com esta actuação, quis que “não fosse tornado público que havia realizado obras e assumido despesas ilegais, mantendo incólume a sua imagem pública pessoal e de presidente de câmara, em benefício da sua candidatura à presidência da Câmara de Oeiras, perseguindo finalidades de cariz político e eleitoralista”.

Em causa, no processo, estão obras realizadas pela sociedade de construções A. Machado & Filhos (declarada insolvente em 2014), sem qualquer procedimento contratual e por ajuste directo, quando os valores em causa obrigariam a abertura de concurso, bem como a acção administrativa que o município perdeu em tribunal, obrigando ao pagamento de perto de dois milhões de euros à empresa, por não ter apresentado contestação.

No caso das obras que se destinariam a criar um Serviço de Atendimento à Gripe (SAG), determinadas em 2009 durante o surto de gripe A, Moita Flores terá declarado a urgência e o carácter reservado da intervenção, “para evitar alarmismo social”, para justificar a entrega da obra por ajuste directo e o seu início imediato, tendo sido fixado um valor-base de 333.050 euros (inferior aos 400.000 euros previstos), valor não sujeito a fiscalização prévia do TdC e cabimentado já depois do início da intervenção, afirma a acusação.

As obras, acompanhadas directamente pelo outro arguido no processo, o arquitecto António Duarte (sem intervenção do departamento municipal competente), foram alargadas a todos os pisos do edifício quando se tornou claro que o surto de gripe A não teria a gravidade inicialmente prevista, sendo então o propósito instalar na antiga EPC a Fundação da Liberdade, o Museu Salgueiro Maia e parte dos serviços da câmara.

A acusação refere que, além de ter sido feito um ajuste directo acima do valor legal permitido, mesmo que este fosse possível, o convite não poderia ser dirigido à A. Machado & Filhos, por esta ter sido contratada anteriormente do mesmo modo.

Em causa está ainda a cessão pela empresa à banca de créditos da Câmara de Santarém num valor global de 500.000 euros, sem conhecimento prévio dos serviços de contabilidade e tesouraria do município e em violação da lei, acrescenta.

O MP afirma que a discrepância encontrada na empresa de Moita Flores poderia configurar a prática de crime de fraude fiscal ou fraude fiscal agravada, situação que não pode ser criminalmente perseguida, por ter prescrito.

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