Em Coimbra, há um grupo de estudantes em greve por uma reforma no ensino

Seis estudantes estão sentados em frente à Faculdade de Letras para lutar contra a desigualdade no sistema de ensino. Não vão às aulas, não fazem exames e não pagam propinas.

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Paulo Pimenta
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O protesto começou há 54 dias. O estudante da Universidade de Coimbra que, a 25 de Março, começou uma greve para reivindicar uma reforma radical no ensino português já não está sozinho. Já são seis e estão todos os dias úteis sentados em frente à Faculdade de Letras da UC (FLUC). Têm um manifesto, no qual defendem “um novo rumo para educação” que “reflicta os ideais democráticos”, contra a mercantilização do ensino. Não vão às aulas, não fazem avaliações e não pagam as propinas. E só saem dali quando atingirem os objectivos, dizem.

Na conversa com o P3 identificam-se, dizem o nome e o curso, mas pedem que a informação não seja publicada no jornal. O estudante que começou o protesto explica que não é uma questão de anonimato – quem passar em frente à FLUC pode vê-los e falar com eles. Mas “ninguém está a tentar ter qualquer tipo de protagonismo e o que deve ser discutido é o texto do manifesto”, justifica.

Porquê protestar? “Quando vou às aulas, ao meu lado, faltam muitas pessoas. Conheço muitos que gostavam de estar aqui e não têm condições económicas”, afirma. Por isso, entende, o sistema de avaliação está distorcido. “Eu ia acabar o curso este ano. No final, ia poder dizer que me custou milhares de euros e alguns cêntimos. Mas a nota do diploma não está correcta”, refere. Para explicar melhor o seu ponto de vista, o estudante compara as médias finais do curso a uma corrida: “Este ficou em décimo, este ficou em primeiro, mas não deixámos correr alguns.”

A desigualdade económica é a razão, identifica, e a propina um factor, com um valor que tem subido nas últimas décadas, mas que conheceu uma diminuição já nesta legislatura. “Tenho colegas que não têm condições para pagar 100 euros de propina. Desceram a propina de 1000 para 800 euros e estão a bater palmas? Parece que é uma brincadeira”, atira. Ao lado, o colega acrescenta: “Quando começarmos a encarar a educação como um direito e não como um negócio, nem um euro de propina é aceitável.” “É só cumprir a constituição, não é nada novo”, simplifica.

“A educação tem de deixar de ser um negócio”, sublinha, referindo também que “a liberdade vai até onde vai o poder monetário das pessoas”. Daí que também não haja igualdade, nomeadamente no processo de candidatura ao ensino superior, considera. “Para aceder, contam as notas do secundário. E quem vem do ensino privado parte de patamares diferentes nessa corrida.” Outro dos aspectos que os estudantes criticam no ensino é o peso “do individualismo e da competição”.

Perante estas condições, o estudante entende não ter outra possibilidade. “É inevitável eu fazer esta greve. Tenho de ter condições para voltar para ali para dentro”, diz, de óculos de sol espelhados, enquanto aponta para a porta da faculdade. O diploma de licenciatura seria “mais um atestado de indiferença e de concordância do que um atestado de mérito”. E prossegue: “Eu recuso-me a sair daqui com um diploma desses. Não consigo mais fechar os olhos ao que está a acontecer, não temos de aceitar o egoísmo como norma.”

Associação académica não participa, mas “respeita"

O sociólogo e professor na Faculdade de Economia da UC, Elísio Estanque, que tem vindo a debruçar-se sobre as questões do activismo estudantil, foi falar com os que estão sentados à porta da Faculdade de Letras. “Um caso como este é um bocado inédito”, introduz. Se nas últimas décadas se tem vindo a perder “essa voz mais crítica, mais dissonante”, acaba por ser surpreendente que algum estudante, hoje, “tenha a coragem de, sozinho, dizer ‘vou sentar-me aqui até que o problema seja resolvido'”. Isto para além de o manifesto ter “conteúdos que merecem alguma atenção”, afirma.

Um protesto que, sendo em nome colectivo, tem consequências pessoais. Em último recurso, pode significar o chumbo ou a saída da universidade. “Se conseguirmos fazer disto realidade, podemos exigir a nota”, aponta o estudante que iniciou ao movimento. Nas presentes condições, diz preferir sair da universidade sem diploma do que “com uma nota irreal, que não é currículo, mas cadastro”. E acrescenta, numa alusão à Crise Académica de 1969: “Já houve quem fizesse isto, nesta faculdade, com muito mais a perder.”

Ao lado, outro dos estudantes refere também que, se o termo de comparação for manter as consequências colectivas da actual conjuntura, “as consequências pessoais [deste protesto] são minúsculas”. Mas admitem que para que as reivindicações tenham projecção, é preciso mobilização. “Se não ganhar visibilidade”, entende Elísio Estanque, “mais cedo ou mais tarde, acaba”. Uma forma de mobilizar seria a ajuda da Associação Académica de Coimbra (AAC) nesta luta, observa um dos estudantes, que lamenta o silêncio da instituição.

Contactado pelo P3, o presidente da direcção-geral da AAC, Daniel Azenha, afirma que “a AAC é a associação académica que mais se tem manifestado contra a propina”. Não acha que a entidade deva “fazer parte desta iniciativa”, mas diz que respeita.

O próximo passo, explicam os estudantes em protesto, é o lançamento de uma petição que será entregue na Assembleia da República que, entre outros pontos, defende a alteração do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, para que seja revogada a hipótese de regime fundacional e que “deixe de admitir taxas de frequência como via de financiamento das universidades”.

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