Uma atençãozinha

Não há ninguém melhor que o português para pedir alguma coisa tentando não dar nada em troca. A atençãozinha é transversal, percorre todo e qualquer sector.

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Thomas Drouault/Unsplash

Aqui vivemos, no país da atençãozinha. Atenção há pouca, atençõezinhas há muitas. Parece que hoje são indispensáveis para que se avance, para o progresso. Como podemos nós ir longe sem uma atençãozinha? Não vamos. Decência hoje envolve evitá-las? Já não sei bem. Mas somos especialistas na arte de fazer uma atençãozinha. 

Não é exclusiva deste nosso rectângulo virado para o mar, a atençãozinha. No entanto, somos exímios artistas na sua performance e execução. Não há ninguém melhor que o português para pedir alguma coisa tentando não dar nada em troca. ​A atençãozinha é transversal, percorre todo e qualquer sector. Vai do trabalho ao dia-a-dia. Estamos habituados a vê-la na política, com a atençãozinha do genro que é ministro ao secretário de Estado que acaba por ser cunhado da prima do tipo que ajudou na tesouraria de toda a campanha eleitoral. É o dia-a-dia. A atençãozinha chega a ser razoável ou apropriada se for utilizada numa dose ínfima e sem importância que não prejudique terceiros directa ou indirectamente. Mas nós portugueses somos lambões. 

Imagine-se o caso do grande chefe versus o grande actor. Quem ganha no ringue da bazófia? Quem leva a melhor na grande batalha do peito cheio? Haverá apostas para o grande vencedor do Óscar de Maior Vaidade? Será uma disputa renhida. Isto porque de um lado temos o grande cozinheiro que sabe muito bem como estagiar lascas de anona em muco de lebre caçada ontem enquanto dá ordens para que se possa empratar como deve ser as uvas sem grainha com o inhame braseado; e do outro o afamado artista que sabe chorar sem que lhe peçam. Quem paga a conta? “Eu entrei em grandes filmes, esgotei bilheteiras, mereço uma atençãozinha.” Tudo bem, mas ainda anteontem o Obama jantou aqui e repetiu a sobremesa. Queres, vens, mas pagas. A atençãozinha envolve saber negociar muitas vezes. Ofereço-te a degustação e levas-me a Cannes. As atençõezinhas chegam a este nível de inutilidade. 

Vejamos o que faz o guru dos hotéis na Península Ibérica para que o filho, o sobrinho mais velho, a afilhada e duas outras miúdas, que se juntaram porque trocaram roupa, para entrar na melhor discoteca daquela cidade. Um telefonema. “Olha, uma atençãozinha aí aos miúdos, Paulo se fazes o favor. São cinco”. Custa-me a crer que o Paulo durma de borla num cinco estrelas dias depois mas a atençãozinha às vezes pede apenas influência e não algo em troca. A linha é ténue para que a possamos distinguir das demais estratégias. 

Quando a atençãozinha é usada para algo que não aquilo a que foi destinada não vale a ponta de um chavelho. Se é para usar correctamente, é à séria. ​São os bilhetes para os festivais, os melhores lugares no espectáculo, as multas e os excessos. São os restaurantes, a noite, os papéis assinados e a entrada, seja onde for. A discoteca, a universidade, o acesso ao crédito ou o escritório. Uma passagem à frente, um encontrão, o “fazer mais depressa e a menor preço”. A atençãozinha versus o esforço. A facilidade contra o trabalho. Tudo em prol do bolso? Não creio. Talvez em prol do asco e de uma vida repugnante. Vem daí, fazemos atençõezinhas... e excursões para visitar o Terreiro do Paço. 

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