Com o novo modelo agrícola em Alqueva a saúde das pessoas “é um problema secundário”

Foram apresentadas 65 queixas no Ministério Publico contra fábrica de bagaço de azeitona em Ferreira do Alentejo, mas a população continua exposta a uma grande carga poluente.

Fotogaleria
Ricardo Lopes
Fotogaleria
Ricardo Lopes
Fotogaleria
Ricardo Lopes
Fotogaleria
Ricardo Lopes
Fotogaleria
Ricardo Lopes
Fotogaleria
Ricardo Lopes

Um intenso odor a azeite passou a fazer parte do quotidiano das comunidades de Cuba, Vidigueira, Beja, Serpa, Mértola, logo que as três unidades industriais instaladas em Alvito (uma) e Ferreira do Alentejo (duas), passaram a transformar cerca de 600 toneladas de bagaço de azeitona, produzida sobretudo em Alqueva.

Assim que chega o mês de Novembro, as chaminés das três fábricas libertam fumos e cheiros que se propagam no território envolvente ao longo de mais de 70 quilómetros. As queixas das populações transitam de ano para ano, desde 2008, mas o problema subsiste sem solução à vista. Os cerca de cem habitantes da aldeia de Fortes, no concelho de Ferreira do Alentejo, que tem uma unidade de transformação a cerca de 300 metros, são os que mais têm sofrido com o impacto das emanações gasosas.

Apesar dos protestos, abaixo-assinados, das 65 queixas já apresentadas no Ministério Público, o impacto na saúde da população está a causar um crescendo de preocupação e revolta. A população acusa as entidades públicas de tardarem a intervir de uma forma eficaz, que ponha cobro, por exemplo, ao martírio diurno e nocturna que obriga Rosa Dimas, de 54 anos, a andar de máscara e a “caminho do centro de saúde”. Ao PÚBLICO queixa-se de estar a padecer de bronquite crónica. E na última quarta-feira deslocou-se à unidade de saúde de Ferreira do Alentejo com dificuldades respiratórias. A sua casa fica a uma centena de metros da chaminé que cobre a sua casa de uma persistente neblina gordurosa.

As circunstâncias forçaram as pessoas à criação da Associação Ambiental Amigos de Fortes (AAAF) que “diariamente recebe queixas da população por não conseguir estender a roupa ou fazer outras actividades no exterior, ou fazer uso de quintas e hortas”, realça ao PÚBLICO Fátima Mourão, presidente da associação. E conta que as pessoas são forçadas a colocar panos nas frinchas das janelas e chaminés e a recorrer ao uso de máscaras para suportar o ar ambiente. Que “não é vapor, é muito mais”, observa a dirigente associativa, garantindo que a saúde dos habitantes de Fortes tem-se degradado. “Há relatos de pessoas com crises de asma e dificuldades respiratórias”, acrescenta Marcela Candeias, advogada que tem defendido, nas instâncias judiciais, a posição dos moradores de Fortes.

No período entre 1 e 12 de Junho de 2018, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) efectuou análises de monitorização da atmosfera em Fortes, a cerca de 200 metros da instalação industrial da Azpo – Azeites de Portugal SA, sócio maioritário de capital espanhol que representa o Grupo Migasa, que revelaram “poluentes químicos associados a emissões confinadas e difusas”.

Na composição química das partículas libertadas pela actividade da fábrica de bagaço de azeitona, a APA identificou a presença de “monóxido de carbono, dióxido de enxofre, compostos cancerígenos (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) e outros gases (amoníaco, ácido sulfídrico e sulfureto de metilo”.

Na sequência das análises realizadas pela APA, a Azpo, realizou várias obras de remodelação das instalações e prometeu, por “respeito às unidades de turismo existentes em redor das Fortes”, que cessaria a laboração até final de Março, adiantou Marcela Candeias, promessa que não foi cumprida. A laboração da fábrica vai continuar até Julho.

A população acreditou que os melhoramentos efectuados, e que implicaram um investimento de 1,2 milhões de euros, iriam permitir que as pessoas voltassem a realizar as tarefas do seu dia-a-dia, sem o sobressalto da má qualidade do ar e o arrastamento de poeiras e partículas.

Contudo, logo a partir do reatar da laboração, em Novembro de 2018, a população de Fortes “voltou a sofrer o mesmo pesadelo que já havia sofrido no passado”, relata a advogada, criticando o papel da Agência para a Competitividade e Inovação (Iapmei) ao insistir que a unidade industrial cumpria o Valor Limite de Emissão (VLE). “As análises elaboradas pela APA vieram clarificar aquilo que todos nós suspeitávamos, ou seja exactamente o contrário”, refere Marcela Candeias, lembrando que as segundas análises, que já deveriam ter sido efectuadas pela APA, não foram realizadas devido às avarias nos aparelhos que seriam utilizados. Aguarda-se que possam ser realizadas na próxima semana.

A população voltou a pressionar as entidades públicas e, neste sábado, a Câmara de Ferreira do Alentejo realizou uma sessão pública sobre Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento, no centro cultural da vila alentejana, para debater o impacto do novo modelo cultural em Alqueva, dando realce às queixas apresentadas pela população de Fortes que continua a respirar “um ar de má qualidade”, como acentua Fátima Mourão, que vincou os efeitos desta situação na saúde da população. José Velez, vice-presidente da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo (Drapal), reagiu ao mal-estar da população afectada pela fábrica de bagaço de azeitona, lembrando que é preciso “desmistificar papões”, sobretudo em relação às culturas intensivas praticadas em Alqueva, salientando que o “desenvolvimento tem os seus custos e as suas facturas”. O vice presidente da Drapal considerou que o “ambiente é fundamental, mas o desenvolvimento é crucial”. E em relação aos problemas de saúde que mais queixas têm suscitado à população, José Velez observou que, “para já, são secundários” - um comentário que indignou os elementos da comunidade presentes na sessão pública.

O problema provocado pela nova economia dinamizada pelos novos olivais em Alqueva estende-se a outros concelhos. Catarina Valério, residente na freguesia das Neves, no concelho de Beja, voltou a criticar a plantação de olival intensivo a 15 metros da sua casa, queixando-se das consequências que a sua instalação pode ter na saúde dos seus filhos. “Tinha ali o projecto da minha vida”, diz, referindo-se ao investimento financeiro na recuperação de um monte em ruínas que muito provavelmente vai ter de abandonar, temendo que a família possa vir a sofrer as consequências do uso de fitofármacos utilizados na desinfestação das árvores.

José Paulo Martins, da organização ambientalista Zero, alertou para os riscos que o novo modelo cultural pode trazer às novas áreas irrigadas a partir do Alqueva, realçando, com imagens, fenómenos de erosão, ravinamento e perdas de solo. Também a instalação de camalhões (alteamento do solo para a plantão de árvores) e o seu alinhamento, que não respeita curvas de nível, a destruição e artificialização de linhas de água traduzem-se, no imediato, em perdas de solo.

Vasco Martins, representante da Associação de Olivicultores do Sul (Olivum), explicou que os novos olivais em Alqueva são explorados “em modo de produção integrada”, que obriga à obtenção de um sistema de certificação da cultura, garantindo, ao contrário do que fora afirmado durante a sessão pública, que “o olival é controlado”. Admitiu que possa haver produtores que fazem “coisas mal feitas”, mas sustentou que “a maioria cumpre as regras”. Comentando o impacto da nova agricultura na saúde das pessoas, devido ao uso de fitofármacos e fertilizantes, o representante da Olivum afirmou que “não existem dados suficientes” que possam comprovar que tal esteja a acontecer e acrescentou que a associação de que faz parte “não está de acordo com as más práticas” a que, eventualmente, recorram olivicultores.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários