As mães são como as matrioskas

O ideal seria que, tal como nas matrioskas, todas as mães pudessem ter estado num receptáculo de amor incondicional e vivido uma vinculação segura.

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Les Anderson/Unsplash

Neste mês de Maio, em que se comemorou mais um Dia da Mãe, diversos motivos me têm feito questionar se estamos a viver a maternidade de forma sábia. Chovem manifestações sobre a maternidade tais como: o respetivo dia comemorativo em que as redes sociais se enchem de corações e dão a conhecer a mãe de toda a gente, blogues sobre supermães, testemunhos de mães famosas, a maternidade da duquesa de Sussex que optou pela privacidade em vez da “real” exposição, livros a rodos para todos os gostos e todas as preocupações e demais manuais de instruções…  

Ao mesmo tempo, mães aflitas chegam ao consultório dos psicólogos todas as semanas. Algumas mães apenas pedem que ajude o seu filho(a) mas não querem falar delas próprias. Chegam outras que disfarçam as lágrimas que correm entre histórias de coragem e sofrimento. Chegam algumas acompanhadas dos pais, mas quase sempre sós.

Há mães que chegam zangadas com o comportamento dos filhos, que as desaponta, ao mesmo tempo que aproveitam para desabafar sobre si mesmas todo o tempo da consulta. E chegam umas poucas a pedir que as ajude a elas porque só assim podem ajudar os filhos.

A primeira ideia que me vem à cabeça quando penso na maternidade é nas matrioskas. A matrioska é um brinquedo artesanal e tradicional da Rússia. Também conhecida como “boneca russa”, é caracterizada por reunir uma série de bonecas de tamanhos variados que são colocadas umas dentro das outras. De acordo com a cultura russa, as matrioskas simbolizam a ideia de maternidade, fertilidade, amor e amizade. O facto de uma boneca sair de dentro de outra maior representa o ato do parto, quando a mãe dá à luz a sua filha e, consequentemente, a filha dá à luz a outra criança, e assim sucessivamente. Para os russos, presentear alguém com uma matrioska é um sinal de grande afeto e desejo de uma vida longa e feliz.

Todas as mães tiveram uma mãe que teve uma mãe que nasceu de outra mãe e assim sucessivamente. Tal como com as matrioskas, houve outra mulher que conteve dentro de si durante cerca de 40 semanas aquela que poderá vir a ser mãe. Mesmo aquelas que não puderam ou não quiseram  conceber, tiveram este ninho que as acolheu. O ideal seria que, tal como nas matrioskas, todas as mães pudessem ter estado num receptáculo de amor incondicional e vivido uma vinculação segura. Saberem de onde vêm, terem raízes fortes para serem capazes de oferecer aos seus filhos um lugar de encorajamento e segurança, um lugar aonde podem regressar e sossegar para depois partir para novas e sucessivas descobertas e desafios que a vida traz. Para que todas as mães possam ser matrioskas, é necessário que saibam a que conjunto pertencem, e esta é uma missão que não se pode perder.

A teoria da vinculação e das perturbações da vinculação foi desenvolvida a partir de 1950 por John Bowlby. A vinculação precoce (0-3 anos) é um comportamento inato dos primatas e em particular dos humanos. Desde o nascimento e ao longo do primeiro ano de vida, o bebé começa a estabelecer uma relação privilegiada com o adulto que lhe proporciona cuidados básicos e, desse modo, assegura a sua sobrevivência. Ao realizar com regularidade essas funções, o adulto tenderá a tornar-se uma figura de vinculação. Será capaz de proporcionar uma base de segurança quando o bebé revela algum tipo de desconforto, nomeadamente mal-estar ou medo. À medida que o adulto garante um ambiente seguro a um ser que procura proteção e que a percebe no outro que considera mais forte e mais apto, desenvolve dentro de si a capacidade de se apaziguar, de enfrentar os seus receios, e de explorar autonomamente o mundo que o rodeia.

Esta passagem de contenção e segurança só é possível de forma adequada quando o adulto recebeu conforto no momento certo. Ora, como se diz habitualmente, ninguém pode dar o que não recebeu. E, em muitos casos, estas crianças e jovens que aparecem em consulta de psicologia têm mães que precisam também que se olhe para elas. Que se olhe por elas. Sem julgamentos. Sem preconceitos. Que não se olhe para o que não foi feito, mas que se olhe para o que pode ser reparado, apaziguado e contido. Quando ao olhar para estas mães percebemos o seu desamparo ou desorganização e lhes oferecemos um lugar para colocar dúvidas e lembrar que cuidar é um caminho de aprendizagem, estamos a cuidar de quem cuida. E quase sempre todos melhoram.

Assim, todas as matrioskas poderão ficar encaixadas!

Dedico este texto a Lígia Silva, Margarida Rolo, Paula Sousa, Irene Ribeiro, Teresa Silva, Lourdes Nascimento e Lucinda Machado.

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