Conselho de Leitores do PÚBLICO estreia-se e deixa recomendações

O Conselho de Leitores do PÚBLICO reuniu-se no final de Abril na redacção do jornal de Lisboa e teve oportunidade não apenas de ficar a par dos resultados da empresa em termos de tráfego na internet e de vendas e audiências, como deixou à Direcção Editorial um conjunto de recomendações.

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Ao longo de mais de três horas, os leitores que integram este órgão consultivo mostraram particular interesse em conhecer o modelo de funcionamento do jornal, a disponibilidade de recursos e os constrangimentos e desafios com os quais o PÚBLICO se confronta. Cumprindo um dos compromissos da Direcção Editorial do PÚBLICO, a acta dessa reunião é integralmente transcrita para conhecimento dos nossos leitores.

Acta da Reunião do Conselho de Leitores

O Conselho de Leitores do PÚBLICO (CL) reuniu-se pela primeira vez nas instalações da redacção de Lisboa no dia 29 de Abril de 2019. Este órgão consultivo é composto por dez leitores com assinatura online válida, quatro dos quais indicados pelo PÚBLICO e seis sorteados de acordo com um algoritmo que considera o género, a idade e a proveniência regional, dois directores da área editorial e dois membros eleitos do Conselho de Redacção. Estiveram presentes Manuel Carvalho e David Pontes, pela parte da Direcção Editorial, e Aline Flor e Luísa Pinto como representantes do Conselho de Redacção. Os leitores que integram o Conselho de Leitores são Adelino Gomes, Ana Sirage Coimbra, Carlos Moreira da Silva, Catarina Seixas, Dora Santos Silva, Fernando Gomes, João Machado, José Borges, Olga Magalhães e Rúben Dias; houve apenas um leitor que não pôde estar presente na reunião. O provedor do leitor terá igualmente assento no órgão, sempre que estiver em funções – a direcção editorial disse estar empenhada em restaurar esse cargo no início do próximo ano.

1 – Informações sobre situação da empresa PÚBLICO

A reunião começou com a prestação de algumas informações sobre a situação da empresa PÚBLICO. A direcção revelou ao CL que os resultados do PÚBLICO conseguiram uma relativa estabilidade face ao cenário de declínio que afecta a generalidade da imprensa. O PÚBLICO foi o único jornal que cresceu em 2018, com um total de 33.600 exemplares de vendas diárias, entre vendas em banca, vendas em bloco e assinaturas (capitalizando com o fim da impressão do Diário de Notícias). O site do PÚBLICO registou mensalmente, em média, 5,8 milhões de utilizadores e 36 milhões de pageviews. “O PÚBLICO nunca foi tão lido como hoje”, notou o director editorial, que ainda deu conta da caracterização da audiência etária em papel e no online e do crescente papel do mobile nos acessos às notícias (66%) e das redes sociais, que pesam quase 30%.

2 – Balanço das mudanças para textos exclusivos para assinantes e reorganização da redacção

A direcção editorial deu conta ao CL que as receitas publicitárias não mudaram do papel para o online, como se chegou a prever que ia acontecer, mas antes que se desviaram para grandes plataformas como o Facebook. Os jornais perderam, também, receitas tradicionais como as que resultavam da divulgação de serviços, como as vendas de casas e a ofertas de emprego - ou seja, as páginas dos classificados. Há, no entanto, exemplos positivos de recuperação que nos chegam, como o New York Times, que factura 800 milhões de dólares só com assinaturas, o jornal inglês The Telegraph, que nunca abriu por completo os seus conteúdos, ou alguns exemplos da imprensa escandinava. A direcção explicou que a estratégia do PÚBLICO para o futuro contempla esta fórmula, reservando aos assinantes uma boa parte dos seus conteúdos.

O CL decorreu apenas duas semanas depois do arranque dessa operação de fecho de conteúdos e os resultados eram positivos.

3 – Colunistas

A direcção editorial pediu aos membros do CL para dar a sua opinião sobre o leque de colunistas que escreve no jornal, justificando as escolhas actuais com a preocupação de manter o pluralismo que faz parte da identidade do PÚBLICO. Explicou que esse pluralismo leva a que possam ser publicadas opiniões com que não concordamos completamente - desde que essa opinião não ponha em causa valores básicos do estatuto editorial do jornal, como o respeito pelos direitos humanos e pela democracia.

Relativamente a este repto, pronunciaram-se dois membros do CL. Um para comentar a existência de “três ou quatro colunistas muito bons” que é desejável manter no jornal durante muito tempo, e outro para se referir à quase ausência de mulheres nas colunas de opinião do jornal. A direcção subscreveu a pertinência destas observações e críticas.

4 – Balanço editorial das principais secções

Por iniciativa da direcção, o CL debateu a cobertura de alguns temas dentro das secções do jornal. Começou por se referir àqueles que exigem uma especialização mais profunda, como é o caso do Mundo. A direcção admitiu alguns problemas na gestão da equipa, bastante penalizada por ausências determinadas por motivos pessoais.  

A Sociedade foi apresentada como uma área “em que estamos particularmente bem”, incluindo no acompanhamento de temas que requerem mais especialização como a saúde ou a justiça (que acaba de ser reforçada). Foram reconhecidas lacunas, nomeadamente na área do Ambiente.

Na secção de Economia, foi referida a “óptima cobertura” em áreas como as finanças públicas, a macroeconomia, as infra-estruturas ou a banca; e reconhecida a falta de meios para aprofundar temas da economia micro e de dar maior noticiário de empresas.

Na Política, a direcção reconheceu o empenho da equipa a garantir um jornalismo plural e isento face aos naturais interesses partidários. Discutiu-se ainda o uso de fontes anónimas e próximas dos gabinetes de ministros ou dos grupos parlamentares. “Uma área particularmente sensível”, considera a direcção, que considera desadequado o recurso ao anonimato sempre que em causa estejam debates de ideias.

Na Cultura, o jornalismo do PÚBLICO continua a ser uma referência, embora alguns membros do CL lhe apontem um “excesso de elitismo” – ver ponto 6.   

5 – Planeamento da cobertura das eleições europeias

O objectivo do PÚBLICO é contrariar cada vez mais aquilo em que os candidatos querem transformar a campanha, orientando-a em exclusivo para os temas nacionais, como se fosse um ensaio para as legislativas. “Para nós, a Europa é um tema crucial para o nosso futuro”, disse a direcção, avançando que vai ser publicado um livro com as entrevistas realizadas por Teresa de Sousa, no âmbito da série A Europa e o Presente, e que há um esforço em tentar discutir a Europa e a suas instituições (Parlamento Europeu, Conselho e Comissão) que se cruzam com o quotidiano. O noticiário sobre este tema vai ter maior visibilidade no jornal quando se entrar na recta final da campanha. 

6 – Questões colocadas pelo Conselho  

  • A situação dos jornalistas

Ouvido o balanço, um dos membros do CL perguntou qual era a situação dos jornalistas, que são quem faz o jornal todos os dias. A direcção deu conta de um quadro de estabilidade na equipa e recordou que a última situação de despedimentos ocorreu em 2012, mas manifestou a sua preocupação com a progressão salarial dos jornalistas, que, face à crise global do sector, está congelada há muito mais tempo. Nos últimos anos, não tem havido folga financeira para aumentar os quadros da empresa e alterar essa realidade é uma das prioridades para o futuro próximo. A direcção reconheceu “dificuldades para reter talento”, havendo “jornalistas de muita qualidade que acabam por ir embora” por estes motivos.

Um membro do CL questionou se será obrigatório ter recursos a tempo inteiro, e se não seria possível ter jornalistas sem exclusividade. A direcção explicou que há jornalistas freelance e prestadores de serviços que vendem artigos para o jornal, mas que um projecto jornalístico com a ambição do PÚBLICO exige uma equipa estável e permanente.    

  • O modelo de negócio do jornal e a política de assinaturas

Um membro do CL chamou a atenção para a “incoerência” da política de assinaturas do jornal e para o facto de o modelo de negócio do PÚBLICO ter vindo a mudar muitas vezes ao longo dos anos. Referiu-se o exemplo do britânico The Guardian, que está a ensaiar um modelo de open journalism desde 2013 e que começou agora a colher os seus frutos.

Um outro membro instou o PÚBLICO a reflectir também o seu modelo de propriedade, agora nas mãos de uma nova geração da família accionista. Esse mesmo leitor irá preparar um levantamento das várias experiências em curso em termos de modelos de propriedade, incluindo a estrutura accionista, de jornais na Europa e nos Estados Unidos.  

  • Gralhas e más opções na primeira página

Os leitores quiseram chamar a atenção para “as pequenas coisas que irritam o leitor”, e que o caso das gralhas já não é pequeno. “É preciso arranjar dinheiro para ter mais revisores”, reclamou um membro do CL, que chamou a atenção para a pressão do tempo se notar também, muitas vezes, na primeira página. Sugeriu que se dedicasse mais atenção à revisão de trabalhos enviados em situações de maior pressão, como reportagens em outros países ou notícias de última hora, em que os jornalistas estão mais susceptíveis a erros (gralhas ou outros). O mesmo leitor questionou ainda algumas opções editoriais, como chamar à primeira página notícias e casos mais correntes, que estão noutros jornais, prejudicando a visibilidade de trabalhos originais e de qualidade que o PÚBLICO faz. Outro leitor reforçou esta questão, valorizando o trabalho sobre “o que de bom se faz no país” e “que fica além das gordas”.

A Direcção Editorial reconheceu a pertinência destas observações e prometeu incorporá-las na sua reflexão.

  • A importância dos leitores e do noticiário local

Um membro do CL sublinhou que a crise económica vivida recentemente demonstrou que é tão importante o global como o local, e notou que o PÚBLICO desvaloriza alguns interesses mais próximos dos seus leitores. Sugeriu que o jornal pudesse ter mais iniciativa e dar mais visibilidade ao envolvimento dos leitores, incentivando-os a dar a sua opinião, alargando o espaço das cartas dos leitores (que “não pode ter só um terço de página”) e eleger, por exemplo, a melhor carta do mês. Aumentar o envolvimento da comunidade de leitores do PÚBLICO pode também ser conseguida com convites à publicação de mais textos de opinião, algo que, por exemplo, a rubrica “Megafone” do P3 tem conseguido com sucesso. A direcção informou que, graças ao último projecto apoiado pela Google, o noticiário local passou a ter uma aplicação personalizada.

  • Podcasts, aplicações e newsletters

Um membro do CL deu os parabéns ao PÚBLICO por finalmente ter renovado a sua aplicação, dizendo que era algo que fazia falta há muito tempo ao jornal. Elogiou também os podcasts que o jornal publica, dizendo que é preferencialmente a partir deles que se mantém informado, pelo que pediu para poder ser aumentada a abrangência temática destas rubricas. Este leitor sublinhou que os podcasts são também uma forma de realçar que o PÚBLICO tem causas que abraça.

Um outro leitor, que também referiu os podcasts como um formato mais próximo do público mais jovem, referiu que as newsletters precisam de ser melhoradas, porque são uma boa fórmula para aproximar os leitores dos diferentes temas da actualidade. “As pessoas querem este tipo de curadoria, feita por jornalistas ou por convidados”, precisou.

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  • O jornalismo de causas e a perda de confiança dos leitores

Um membro do Conselho de Leitores recomendou ao PÚBLICO que abraçasse as suas causas com maior visibilidade, sugerindo que “mais do que estar escudado num estatuto editorial, os leitores preferem ver tratados os temas em que acredita”. “O PÚBLICO deve assumir posições que vão ao encontro do que a redacção e os leitores querem defender”, já que as pessoas, “quando se sentem representadas, aceitam tomar parte”. Este mesmo leitor deu o exemplo do podcast sobre questões relacionadas com a igualdade de género.

O tema das “causas” suscitou opiniões diversas dos membros do Conselho. Um dos membros do CL mencionou as questões que se levantam à volta do conceito de “jornalismo activista” ou “jornalismo de causas”, mas referiu que muitas “causas” estão na base de trabalhos importantes, como a série temática sobre a pobreza que o PÚBLICO realizou no final de 2018. Um outro membro preferiu o termo “jornalismo de convicções”, afirmando que é preciso não abandonar a “causa jornalística” e recordando palavras da actual directora do jornal The Guardian, Katharine Viner, de que “os factos são mais sagrados do que nunca”. Outro membro referiu ainda que dar a notícia com rapidez não é o mais importante: “O mais importante é a fiabilidade, e essa demora muito tempo a construir e pouco tempo a destruir.”

  • Captação de novos públicos e audiências

Um membro do CL mencionou o facto de, no início do projecto, os leitores do PÚBLICO serem muito mais novos do que os dos outros jornais; algo que, notou, já não é verdade agora. “O problema mais crítico é saber se o PÚBLICO vai ter leitores no futuro”, exortou, chamando a atenção para a importância de trabalhar a literacia mediática. A direcção deu conta dessa preocupação e anunciou que o jornal retomou o projecto “PÚBLICO na Escola”, com a intenção de trabalhar com alunos e professores para lhes dar ferramentas que os ajudem a percepcionar, por exemplo, as chamadas fake news, mas também para promover junto dos jovens hábitos de leitura atenta e crítica da imprensa, distinguindo-a da oferta de informação obtida nas redes sociais. Um membro do CL referiu que a escola é o melhor contexto para abordar estes temas, “já que há uma margem de intervenção maior dos que a que se consegue com os pais” e um potencial grande do debate destes temas entre pares.

  • Trabalhar temas que se aproximem mais das preocupações das pessoas

Foi sugerido ao PÚBLICO que trabalhe mais os temas que se aproximem do interesse das pessoas, trazendo assuntos novos à actualidade e suscitando novos fóruns discussão. Foi, a propósito, recomendada a elaboração de um maior número de dossiers, como o que foi realizado sobre a pobreza. Também na área da cultura foi sugerido que houvesse uma maior amplitude nos temas tratados. “A cultura é mais do que expressão artística. É possível perceber uma questão política a partir do ângulo da cultura e da questão social”, exemplificou um leitor. Um outro membro reparou que o Serviço Nacional de Saúde é sempre alvo de más notícias e é menos falado quando há noticias boas. “E essas também são importantes de dar”.

A direcção editorial acolheu a sugestão, referindo o esforço feito pelas diversas secções do jornal em acompanhar temas que passam “das margens” para a actualidade nacional. Deu o exemplo da greve climática estudantil e o trabalho de acompanhamento que tinha sido feito pelo P3 antes mesmo de o tema ganhar importância na agenda das secções/da edição impressa.

A próxima reunião do Conselho de Leitores acontecerá no Porto, no segundo semestre de 2019.

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