“Bem-vindos ao paraíso”: areia branca, ilhas desertas e 400 milhões de peças de plástico

Chinelos, garrafas de água, uma escova de dentes: as três coisas que levaria para uma ilha deserta? Investigadores encontraram 238 toneladas destes (e outros) resíduos nas praias das remotas ilhas Cocos (Keelings), no oceano Índico — 25% eram plásticos descartáveis.

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A investigadora Jennifer Lavers diz que há 400 milhões de peças de plástico nas ilhas australianas Cocos (Keelings) Silke Stuckenbrock

São as praias que visualizamos quando pensamos num “paraíso tropical”. Só que — e “não querendo desencorajar ninguém que lá vá para turismo” — as ilhas australianas Cocos (Keelings) “estão literalmente inundadas de plástico”. É o que diz Jennifer Lavers, a investigadora para quem praias com pouca ou nenhuma interferência humana, como estas, no oceano Índico, são também territórios de excelência para entender as “tendências de acumulação de lixo” e monitorizar a poluição marinha: “É cada vez mais urgente agirmos sobre os sinais que estas localizações nos dão”, alerta.

Jennifer ​Lavers percorreu 25 praias (recolhendo amostras em 1110 metros quadrados) em sete das 27 ilhas, o correspondente a 88% do território do pequeno arquipélago​, entre Março e Setembro de 2017. Tropeçou em embalagens de comida, chinelos, escovas de dentes, sacos, tampas de garrafas, palhinhas, cordas de pesca. Pela areia branca e pela vegetação selvagem por onde andaram, os investigadores das universidades da Tasmânia e de Victoria, ambas na Austrália, recolheram, pesaram e separaram “um total de 23.227 itens de detritos antropogénicos, que pesam um total de 96 quilos”. A partir destes números calculam que, pelo arquipélago inteiro, se espraiem 414 milhões de peças de plástico — e isto é só uma “estimativa conservadora”. Bem-vindos ao paraíso?

O centro de turismo local apresenta as ilhas Cocos, duas delas habitadas por pouco mais de 600 pessoas, como “o último paraíso intocado na Austrália”. O estudo, publicado na Scientific Reports nesta quinta-feira, uma revista científica online de acesso aberto da Nature, revela outro cenário. Espalhadas pelas “ilhas tropicais remotas”, os investigadores estimaram haver, em 2017, 238 toneladas de resíduos: 93% não está à vista, mas sim enterrados até dez centímetros de profundidade, já fragmentados em partículas de dois a cinco milímetros que são “uma ameaça para a vida selvagem”. A cientista lembra que estes fragmentos não são recolhidos em acções de limpezas de praia e não são considerados em muitos levantamentos. Noutras palavras: estamos “a subestimar” a quantidade de resíduos acumulados.

Estes números estão “entre os mais elevados” até agora reportados em ilhas remotas. Jennifer Lavers, a principal autora do estudo, sente-se confortável a fazer estas comparações: foi ela quem, em Maio de 2017, registou nas praias das também isoladas ilhas Henderson, no Pacífico Sul, “a maior densidade de lixo plástico encontrada na Terra” — e o único vestígio da espécie humana naquela localização. 

A investigadora, que estuda a vida marinha há 15 anos, recorda que os números agora divulgados são “conservadores” e devem ser interpretados como uma “estimativa mínima”. Isto porque, para o estudo, não foram considerados os resíduos enterrados a mais de dez centímetros da superfície ou os que se amontoam em áreas onde não conseguiram aceder e são conhecidas como hotspots para o lixo.

Se nas ilhas Henderson os resíduos encontrados eram maioritariamente materiais de pesca, nas Cocos identificaram-se sobretudo plásticos descartáveis e chinelos. O estudo relembra que 40% dos plásticos entram no fluxo de resíduos no mesmo ano em que são produzidos. “Como resultado do crescimento do consumo de plásticos de uso único, é estimado que existam agora 5,25 biliões de peças de plástico nos oceanos.”

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Jennifer Lavers, a autora principal do estudo junto aos resíduos que cobrem as ilhas desertas. Silke Stuckenbrock

“A menos que sejam tomadas medidas drásticas”, números como os que foram divulgados neste estudo “só vão continuar a crescer” — “com a quantidade prevista de lixo a entrar nos oceanos a aumentar dez vezes” até 2025, um futuro bem próximo. Jennifer ​Lavers frisa a prevalência dos itens de plástico de uso único que encontra nas praias que estuda e sublinha que são um indicador do lixo que circula nos oceanos. “Esta é uma óptima oportunidade de nos vermos a nós mesmos neste lixo e percebermos como é que podemos remover, pelo menos, um destes itens do nosso dia-a-dia. Se é uma escova de plástico que usa todas as manhãs, pense talvez em mudar para uma de bambu, por exemplo.”

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