União da Madeira. A morte de um clube centenário

Três anos depois de ter estado na I Liga e com mais de um século de história, o União da Madeira está insolvente e com dívidas a rondar os 10 milhões de euros. Extinção do clube é o que se segue.

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Um jogo entre o U. Madeira e o Sporting, para a Taça da Liga, em 2017 João Sena Goulão/Lusa

É mais um clube histórico que se apaga. O União da Madeira, que em Novembro fará 106 anos, dificilmente chegará ao 107.º aniversário. Com uma dívida avaliada em cerca de 10 milhões de euros, sem capacidade de gerar receitas para saldar esses montantes e com um património material praticamente irrelevante – cinco carrinhas velhas, um crédito (260 mil euros) do governo madeirense que está impedido de receber por incumprimentos, os direitos de utilização do complexo desportivo e 40% da União SAD –, o futuro do clube passará mesmo pela extinção.

A assembleia de credores do clube, no processo de insolvência que está a decorrer no Tribunal Judicial do Funchal, aprovou no início deste mês a liquidação do património da colectividade, que conta com seis presenças no principal escalão do futebol nacional, a última das quais há três anos: temporada 2015/2016.

O processo de liquidação do União (na Madeira é dito assim, sem ser preciso mais para identificá-lo) ficou, para já, suspenso. O clube, que tem a actividade reduzida ao futebol jovem, depois de no passado ter contado com secções de andebol, voleibol, basquetebol, esgrima, hóquei-em-patins, râguebi entre outras modalidades, apresentou vários recursos no Tribunal da Relação de Lisboa, que ditaram o adiamento da decisão final.

“Foi deliberado a suspensão da liquidação do Clube Futebol União, em resultado do recurso interposto pelo clube da decisão que decretou a insolvência, bem como dos embargos deduzidos contra a referida decisão por falta de citação”, clarificou o União numa nota divulgada na página oficial no Facebook, argumentando que na assembleia estiveram presentes credores cujos créditos “estão prescritos”, outros que estão “duplicados” e ainda valores que “não são exigíveis”. Tudo somado, sustenta a direcção do clube madeirense, adultera o quórum deliberativo, e inflaciona de forma irrealista o montante total da dívida.

Dos credores, apenas a União SAD, que tem o futebol profissional do clube (garantiu na penúltima jornada a manutenção no Campeonato de Portugal, Série B), votou contra a liquidação. Mas também a SAD, que reclama uma dívida que ascende a 1,3 milhões de euros, está em dificuldades, apresentando no início deste ano um pedido para um Processo Especial de Revitalização (PER), para fazer face dívidas que ascendem a quatro milhões de euros. O PER ainda está em avaliação mas deverá ser aceite pelos credores.

Já o clube, a confirmar-se o montante das dívidas reclamadas, não consegue, resumiu o administrador de insolvência em tribunal, gerar receita para as saldar. No topo dos credores está a Autoridade Tributária que veio pedir no processo 3,7 milhões de euros. O governo madeirense com um pouco mais de dois milhões de euros, fornecedores vários (1,5 milhões de euros), a banca (800 mil euros) e a União SAD são os outros grandes credores do clube que, embora não tenha tido a projecção fora da Madeira como os rivais Marítimo e Nacional, é, no arquipélago, o segundo emblema com mais títulos.

O União conta com 17 Taças da Madeira (o Marítimo tem 26, e o Nacional seis) e com 16 Campeonatos da Madeira, número só ultrapassado pelos 35 do Marítimo e muito à frente dos oito do Nacional. Isto numa altura em que o futebol das ilhas (Madeira e Açores) vivia isolado do resto do país. Só no início da década de 70, é que as equipas insulares passaram a ter acesso às competições nacionais. No início, tiveram mesmo que assumir os encargos financeiros das deslocações dos adversários e das equipas de arbitragem.

Foi com a entrada nos campeonatos nacionais que começou o lento declínio do clube, perdendo adeptos e avolumando dívidas, apesar de na década de 90 ter permanecido três épocas consecutivas na I Divisão.

A actual administração tentou inverter essa tendência, piscando o olho aos mais novos através de uma parceria com o Museu CR7, que desde 2013 está presente em todas as camisolas do clube. O acordo, que não envolveu contrapartidas financeiras para o clube, esteve para ser reforçado com a entrada de Hugo Aveiro, irmão de Cristiano Ronaldo e responsável pelo museu, na administração da SAD. Acabou por não se concretizar, por, sabe o PÚBLICO, oposição dos restantes accionistas do clube.

Mas a associação com o jogador da Juventus, que na Madeira só representou o Andorinha e o Nacional, não travou a curva descendente do União. Desportiva - em três anos caiu da I Liga para o Campeonato de Portugal (III Divisão) - e financeira. Algumas das dívidas, ao Fisco e à Segurança Social, estão mesmo a ser alvo de um inquérito aberto pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), que quer apurar se consubstanciam delitos criminais.

Longe dos tribunais, um grupo de adeptos não se conforma e prepara a “refundação” do clube. Um regresso às origens com o mesmo azul e amarelo, e o nome original: União Futebol Clube, por oposição ao actual Clube de Futebol União. “O União não pode, nem vai morrer”, diz ao PÚBLICO um desses adeptos que, para já não se quer identificar. “Este projecto não pode ter um só rosto. O rosto é de todos os sócios.”

O actual, Filipe Silva que acumula a presidência do clube com a da SAD, já anunciou que não se recandidata. Vai manter-se em funções até 1 de Junho, data das eleições para as quais não são ainda conhecidas candidaturas. O PÚBLICO tentou junto da direcção obter um comentário sobre a situação do clube, sem sucesso.

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