Em defesa da residência alternada e das crianças

A estabilidade da criança define-se menos pelos espaços onde habita e frequenta do que pelas relações continuadas, envolvidas e significativas no tempo com ambos os pais e mães.

Desde que a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) iniciou, em novembro de 2017, a recolha de assinaturas para a petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados, muito se tem discutido e reagido sobre a mesma. Não se pode dizer que até esta altura não tenha existido um amplo debate nacional sobre a matéria, ainda que nem sempre com a integridade intelectual que se exigiria de alguns atores da nossa praça. A verdade é que estamos neste momento face a projetos-lei na Assembleia da República que visam estabelecer a residência alternada como regime preferencial. Nesse sentido, cumpre, de forma muito sintética, desmistificar alguns dos argumentos que têm vindo a público, resultado ou do desconhecimento ou da má interpretação da literatura científica, ou de ausência de leitura das propostas em causa ou ainda com o objetivo de manter o status quo, visto representarem interesses particulares.

Vejamos, então, os principais argumentos que foram levantados ao longo destes meses e que merecem uma resposta sintética.

Um primeiro argumento é que a presunção jurídica é uma imposição. Ora, não só não é uma imposição, como não afasta a análise casuística das situações concretas. É, antes de mais, um ponto de partida. O seu afastamento pode e deve acontecer a qualquer momento, quando fundamentado ser contrário ao superior interesse da criança. Daí que para a sua aplicação propomos que a legislação inclua alguns critérios orientadores.

Outro argumento, repetido até à exaustão, é que não é preciso alterar a lei, que a mesma já contempla a possibilidade da aplicação da residência alternada. Ora, a atual legislação não só promove a desigualdade entre progenitores nos cuidados à criança, ao estabelecer um progenitor residente e um progenitor visitante, como permite a existência de um elemento especulativo nas decisões judiciais, tornando-as discricionárias e contribuindo, assim, para o aumento dos conflitos parentais. Se a isto ainda acrescermos o facto de as tomadas de decisões judiciais em processos tutelares cíveis, ou mesmo as apreciações de acordos por parte do Ministério Público, se sustentarem em estereótipos de género (à mãe compete cuidar, ao pai compete prover economicamente), fica clara a necessidade de alterar a legislação tendo em vista a promoção de uma parentalidade mais partilhada, com iguais níveis de envolvimento e responsabilidade. Em outros países, esta alteração de legislação traduziu-se na redução dos conflitos parentais nos tribunais, no aumento dos acordos entre pais e mães e em mais acordos de residência alternada. Nunca se assistiu a aumentos exponenciais de crianças em residência alternada após a alteração legislativa, muito menos que colocassem em perigo as mesmas, mas antes a um aumento sustentado por via da retirada de obstáculos a essas práticas parentais.

Temos ainda o argumento da estabilidade da criança. Ora, a estabilidade da criança define-se menos pelos espaços onde habita e frequenta do que pelas relações continuadas, envolvidas e significativas no tempo com ambos os pais e mães. A residência única não permite isso, cortando a relação continuada, envolvida e significativa no tempo com um dos progenitores. O mesmo acontece com o argumento simplista do incómodo da “mala às costas”. A verdade é que as crianças em residência única fazem mais mudanças de residência, passam mais horas em transportes e fazem mais quilómetros que as crianças em residência alternada.

Por fim, o argumento que visa desviar as atenções dos objetivos reais desta petição, querendo fazer da exceção a regra: a violência doméstica e o abuso sexual de crianças. A residência alternada não é aplicada em situações de violência doméstica e/ou abuso sexual de crianças. E mais nada há a dizer sobre isto, visto que qualquer desses comportamentos criminais, seja por via de fortes indícios, seja por via de condenação, não se adequam com uma parentalidade cuidadora. No entanto, tenta-se misturar conflitos parentais com tais comportamentos criminosos com vista a descentrar a discussão do que é essencial para a nossa sociedade: promover o envolvimento parental mais igualitário, sabendo nós que tal igualdade é benéfica para as crianças. Não é por existirem, lamentavelmente, estes comportamentos danosos na vida de algumas crianças que se deve continuar a impedir a grande maioria de ter uma vida sem conflitos parentais e com um desenvolvimento mais harmonioso.

Assim, no nosso entender, as iniciativas legislativas que se encontram na Assembleia da República devem ter em conta, aquando da discussão na especialidade, os três pilares que constituem a sugestão de alteração legislativa por parte da APIPDF: a presunção jurídica, as orientações normativas e os planos parentais. Esses três pilares são fundamentais para o avanço positivo do Direito de Família e das Crianças.

Termino com a nota de que esta iniciativa da APIPDF é centrada nos melhores interesses das crianças, pois somos inspirados pelos nossos filhos e pelas nossas filhas. Não temos quaisquer interesses corporativos, profissionais ou de agenda ideológica, a não ser o de acabar com grande parte dos conflitos parentais e que mais nenhuma criança passe o que os nossos filhos e as nossas filhas passaram.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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