Quatro mortos em violência após acordo para a transição política no Sudão

Militares e opositores concordaram com três instituições, mas faltava ainda definir a sua composição. Manifestantes responsabilizam o regime pela violência, militares culpam grupos “desagradados com o acordo”.

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Após violência, militares dizem que nã vão tolerar "o caos" MOHAMED NURELDIN ABDALLAH/Reuters

A aliança de oposição do Sudão culpou forças paramilitares pelos disparos que provocaram a morte de pelo menos três manifestantes e um polícia em Cartum, depois de generais e representantes dos grupos de activistas terem chegado a um acordo para uma transição política. Já o conselho militar culpou grupos armados “desagradados com os progressos do acordo político”.

A oposição tem pressionado para uma passagem do poder a civis pelas autoridades militares, e acusa os militares de terem sido responsáveis pela violência em que grupos armados atacaram um sit-in em frente ao quartel-general das forças armadas na capital, Cartum. 

“Alguns elementos não identificados que querem estragar as negociações entre os dois lados tentaram invadir o sit-in e dispararam tiros que levaram à morte de um major da polícia militar”, disse o conselho militar, deixando um aviso: “Nem as Forças de Apoio Rápido [paramilitares] nem o Exército vão disparar sequer um tiro contra os nossos irmãos que se manifestam. Mas repetimos que não iremos permitir o caos”. 

Já o grupo de médicos ligado ao movimento de protesto disse que um jovem foi atingido com um tiro no peito pelas “milícias do regime derrubado que tentaram dispersar o protesto do povo sudanês”, cita a Reuters. Mais tarde o grupo disse que um quarto manifestante morreu vítima dos ferimentos. 

As mortes foram as primeiras ligadas aos protestos nas últimas semanas. E houve ainda dezenas de feridos: um hospital de Cartum disse que recebeu mais de 60 pessoas com ferimentos, muitos deles de balas, nos ombros, peito ou noutras partes do corpo. “Havia ainda uma série de feridas resultantes de objectos cortantes, e outros de agressão com paus”, disse à agência Reuters Amar Abu Bakr, director executivo do hospital de Moalem.

A violência seguiu-se ao anúncio, na segunda-feira, de progressos nas negociações entre a coligação que representa a oposição e o conselho militar, que assumiu o poder depois de afastar Omar al-Bashir - mas mesmo nessa altura, os activistas não desmobilizaram, insistindo que o conselho militar que assumira o poder a 11 de Abril passasse a administração para mãos civis. As conversações sobre os moldes desta transição duram há um mês.

Ambos relataram ter conseguido um acordo sobre uma estrutura de poder para o período de transição, definindo a estrutura das autoridades e os seus poderes. “As autoridades são as seguintes: conselho soberano, governo e um organismo legislativo”, disse o porta-voz dos activistas políticos, Taha Osman, à agência de notícias AFP. As autoridades militares confirmaram acordo "sobre os três organismos”.

Os dois lados deveriam encontrar-se esta terça-feira para discutir a duração do período de transição e a composição dos três organismos – questões que têm dividido os dois lados nas discussões durante o último mês. Os generais dizem que o período de transição deveria ser de dois anos, os manifestantes querem quatro. As conversações deveriam terminar na quarta-feira.

Bashir acusado

O presidente afastado Omar al-Bashir foi formalmente acusado por incitamento e responsabilidade na morte de manifestantes que começaram a protestar em Dezembro. A primeira causa da insatisfação foi um aumento do preço de pão (que triplicou), mas o protesto, liderado por médicos, rapidamente se virou contra as autoridades e o próprio Presidente.

Um médico morreu na quinta semana de manifestações, vítima do disparo de um tiro. 

Testemunhas contam que o médico estava a tratar feridos na sua casa em Cartum quando a polícia lançou gás lacrimogéneo para dentro da habitação, atingindo-o a tiro quando saiu.

Foi uma de 90 pessoas que morreram nos protestos por todo o país desde Dezembro, segundo a comissão dos médicos. O Governo diz que morreram 65 pessoas. 

Não é claro o que aconteceu a Bashir depois de ser afastado, diz a emissora britânica BBC; a Reuters diz que está preso em Cartum. Além da acusação agora formalizada, enfrenta ainda uma investigação sobre lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo.

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