A toalha no chão

O campeonato português ainda não acabou. Reconhecem-no Bruno Lage e Sérgio Conceição, entre outros actores principais da Liga 2018-19, e recomendam o bom senso e o respeito que assim seja. O que também não acabou, e não tem fim à vista, é o jogo do empurra. Para quê assumir erros próprios quando se pode apontar o dedo a terceiros? Para quê moderar o discurso quando se pode facilmente desviar atenções, incendiando os ânimos? Não há ninguém mais expedito do que um dirigente (salvo honrosas excepções) a pôr em causa, a cada fracasso, a solidez do edifício do futebol, ignorando deliberadamente que é essa desresponsabilização estrutural que lhe vai enfraquecendo os alicerces.

“O preço da grandeza é a responsabilidade”. A máxima professada por Winston Churchill aplica-se entre as quatro linhas do relvado e também nesse plano circular da comunicação que gravita fora delas. Para o sucesso interno, poderá bastar a competência de gestão e a qualidade das decisões tomadas durante e no final de cada época, mas para a saúde da indústria é imperioso que essa capacidade de análise e autocrítica transborde para o domínio público.

Quando se trata de digerir o êxito alheio, no topo da pirâmide do futebol português não há vencidos impolutos. Reconhecer mérito a um rival, numa modalidade que se desdobra em apelos ao fair-play, parece ser reiteradamente interpretado como um sinal de fraqueza. Mas que fraqueza maior existirá do que negar sistematicamente a competência de quem indirectamente contribui para que sejamos quem somos?

O campeonato português ainda não acabou e o presidente do FC Porto, hoje mais recatado que nunca, decidiu vir a público atribuir às arbitragens o impulso decisivo de um eventual fracasso nesta maratona. Em entrevista ao jornal O Jogo, passa uma esponja sobre a derrapagem dos “dragões” e menoriza a recuperação do Benfica, preparando terreno para aplacar as críticas dos adeptos mais voláteis, mesmo que no balneário se dissemine a ideia de que o título ainda é possível. É como se estivesse a atirar a toalha ao chão contra a vontade de um atleta que ainda sente forças para lutar. É a estratégia a sobrelevar tudo o resto.

O que a direcção do FC Porto faz hoje, consciente de que muitos dos seus adeptos não perdoam a derrota no clássico e a vantagem que a equipa foi deixando cair do bolso ao longo do trajecto, é sensivelmente o mesmo que fez o Benfica no final da temporada passada. Não nos iludamos: já não há nada a inventar no futebol quando a prioridade é aplacar o desagrado das massas. E é também por tomadas de posição como esta, com este tipo de exemplos, que chega a ser irónico ouvir os apelos anti-violência pré-formatados que são disparados na hora em que chegam os danos colaterais.

“Jogo sujo. Campeonato sujo. Uma arbitragem que envergonha o futebol”. Foi assim que vociferou o Benfica depois do clássico com o Sporting, na jornada em que o FC Porto foi campeão, em Maio de 2018. Agora, a dias do derradeiro e decisivo fim-de-semana da Liga, Pinto da Costa reage desta forma quando questionado sobre se os “encarnados”, a confirmar-se a vantagem que detêm na liderança, serão justos campeões: “Não. Justiça tendo na memória o que se passou em Santa Maria da Feira, Braga e Vila do Conde? Os portistas que viveram isto vão lembrar-se daqui a 20 anos.”

A consequência imediata desta posição foi uma reacção do Benfica, que provavelmente desencadeará uma nova reacção do FC Porto, num círculo vicioso que já se arrasta há demasiados anos e que atenta contra o adepto/espectador que se interessa verdadeiramente pelo jogo. Aquele que sofre com as derrotas e exulta nas vitórias. Aquele que espreme até à última gota o sabor do êxito precisamente porque tem noção de que não se pode ganhar sempre. Aquele que faz acelerar o negócio por impulso. Sem tacticismos.

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