Suécia reabre investigação contra Julian Assange por crimes sexuais

Equador vai entregar aos EUA os computadores e os documentos que o fundador da WikiLeaks tinha na sua embaixada em Londres. Washington quer julgá-lo por acesso ilegal a um computador do governo, usado para extrair documentos secretos.

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Reuters/Henry Nicholls

Preso numa cadeia no Reino Unido por não cumprir os termos de uma liberdade condicional decretada há sete anos, e desejado o mais depressa possível nos EUA para ser julgado por conspiração para aceder a um computador do governo norte-americano, o australiano Julian Assange tem agora pela frente uma terceira batalha nos tribunais. Sem grande surpresa, o Ministério Público sueco anunciou a reabertura de um processo em que o fundador da WikiLeaks é acusado, por duas mulheres, de violação e outras agressões sexuais.

O caso na Suécia remonta a Agosto de 2010, quatro meses depois de a WikiLeaks ter saltado para as primeiras páginas dos jornais com a publicação de milhares de documentos secretos norte-americanos e correspondência entre embaixadas em todo o mundo.

Nesse Verão, Assange foi à Suécia falar com os membros do Partido Pirata, e foi durante essa visita que se viu acusado de abusos sexuais por duas mulheres. Ambas dizem que começaram por ter sexo consensual com o australiano, mas depois o seu comportamento ter-se-á tornado violento: uma delas acusa-o de insistir em fazer sexo sem protecção, e de adulterar o preservativo depois de a sua vontade ter sido negada; e a outra acusadora diz que Assange a penetrou sem preservativo quando ela estava a dormir.

O fundador da WikiLeaks negou sempre as acusações e afirma que não forçou nenhuma das mulheres a ter relações sexuais, com ou sem protecção.

Sete anos na embaixada

Dois anos depois, em Junho de 2012, quando as autoridades suecas tentavam convencer o Reino Unido a extraditá-lo, Assange refugiou-se na embaixada do Equador em Londres, com o argumento de que estaria em preparação a sua extradição para os EUA, caso fosse extraditado para a Suécia.

Nos sete anos seguintes, o fundador da WikiLeaks viveu na embaixada do Equador, de onde se envolveu nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA com a divulgação de e-mails e outros documentos do Partido Democrata.

Entretanto, em Maio de 2017, a Suécia suspendeu o processo das acusações de abuso sexual por ter chegado a um beco sem saída: a protecção do Equador a Assange durava há cinco anos e não havia sinais de que isso poderia mudar, pelo que parecia ser impossível levar o acusado a tribunal na Suécia para registar o seu depoimento.

Mas em Abril passado, depois de uma mudança de atitude das autoridades equatorianas nos últimos dois anos, Assange foi detido pela polícia britânica – os agentes entraram a convite do embaixador, arrastaram-no para a rua e detiveram-no por violação dos termos da sua liberdade condicional decretada em 2012, quando se refugiou na embaixada enquanto os tribunais britânicos avaliavam o pedido de extradição da Suécia. Está a cumprir uma pena de 50 semanas de prisão e só poderá sair em liberdade ao fim de 25 semanas.

No mesmo dia da detenção, os EUA divulgaram uma acusação formal contra Assange, por conspiração para entrar num computador do governo norte-americano (usado para extrair documentos sobre a guerra no Iraque, em 2010), e apresentaram um pedido de extradição.

Esperava-se que também a Suécia pedisse a extradição do fundador da WikiLeaks, para o julgar pelas acusações de violação, e foi isso que aconteceu esta segunda-feira.

Num comunicado, a procuradora-geral-adjunta da Suécia, Eva-Marie Persson, reconhece que o pedido de extradição dos EUA pode entrar em conflito com o seu, mas o facto de Assange já não estar na embaixada do Equador “abre a possibilidade de levar o processo em frente”.

“No caso de haver um conflito entre o mandado de detenção europeu e o pedido de extradição dos EUA, as autoridades do Reino Unido vão decidir a ordem de prioridade. É impossível prever o resultado final deste processo”, disse Persson.

Nas mãos do Reino Unido

Os tribunais britânicos terão agora de decidir quem tem prioridade, sendo que a decisão final cabe ao ministro do Interior, Sajid Javid, tendo em conta factores como a gravidade das acusações e a data de entrada dos pedidos.

“Ele quer colaborar com a Suécia e quer ser questionado para limpar o seu nome”, disse à agência Reuters um dos advogados de Assange, Per Samuelson. “Não sei como é que isso pode acontecer. Ele agora está ocupado com assuntos muito mais importantes, como impedir a extradição para os EUA.”

Se as autoridades britânicas considerarem que o pedido dos EUA tem prioridade, o Ministério Público da Suécia deverá encerrar o seu caso contra Assange – a decisão do Reino Unido pode demorar vários meses e as acusações de abusos sexuais prescrevem em Agosto de 2020.

Os tribunais do Equador decidiram também entregar às autoridades norte-americanas todos os documentos e material informático que Assange guardava na sua embaixada em Londres.

Citado pelo jornal El País, um outro advogado de Julian Assange, Baltasar Garzón, qualifica a entrega de documentos aos EUA como uma “absoluta violação das regras do asilo pelo Equador”.

“É incompreensível que o país que o protegeu aproveite agora a posição privilegiada de o ter protegido para remeter os seus pertences ao país que o persegue. Pertences que foram interceptados sem mandado judicial, sem protecção dos direitos do exilado”, disse Garzón, antigo juiz da Audiência Nacional espanhola. “A violação sistemática dos direitos de Assange está a superar os limites do imaginável”, acrescentou.

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