Documentários: duas histórias sobre o crime real e o caso Amy Berg

Uma realizadora oferece gratuitamente o seu documentário sobre abuso sexual de rapazes em Hollywood e tem uma série associada ao fenómeno Serial na HBO Portugal.

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Adnan Syed na adolescência HBO

Estes tempos de “peak TV”, em que nunca houve tanta produção televisiva, também são tempos de pico de documentário – da encomenda de vários documentários e séries documentais pelos canais RTP, da promessa da SIC de enveredar pelo “docudrama”, das horas de programação temática (alienígenas, crime, nazis) nos canais de cabo, do Netflix a fazer acordos para documentários com Ava DuVernay, Steven Spielberg ou o casal Obama. Uma proeminente realizadora de documentários cujo trabalho deveria ser mais proeminente serve para contar duas histórias a propósito disto: como nem sempre (e muito recentemente) foi assim e como o crime real, os podcasts e o streaming se cruzam para mostrar como as coisas podem ser agora.

Amy Berg começou a sua carreira de documentarista de longa-metragem com Deliver Us from Evil (2007), sobre a forma como a Igreja Católica lidava com o padre Oliver O’Grady, condenado por pedofilia e a quem eram atribuídas novas paróquias em diferentes zonas conforme os fiéis locais iam sabendo do seu cadastro. Foi nomeada para os Óscares. Nos anos seguintes, continuou num caminho de investigação sobre o sistema judicial ou casos de abuso, apenas intervalado com Little Girl Blue, o elogiado documentário sobre Janis Joplin.

West of Memphis (2012) centrou-se nos West Memphis Three, três adolescentes condenados pelo homicídio de três crianças e libertados passados 18 anos de prisão e de acusações de erros graves na investigação. Prophet’s Prey (2015) é sobre Warren Jeffs, um auto-intitulado profeta mórmon que está preso por abuso sexual de crianças. E An Open Secret (2014) é sobre o abuso sexual sistemático de rapazes na indústria do cinema, focando o caso da Digital Entertainment Network (entretanto encerrada; tinha como investidor o realizador Bryan Singer, que é acusado por vários jovens de assédio e agressão sexual e que as nega).

É An Open Secret que ajuda a contar a primeira história – a de como não teve distribuição em qualquer plataforma nem convites para ser exibido em festivais. E de como, três anos depois, foi colocado gratuitamente no Vimeo, na esteira das denúncias contra Harvey Weinstein, e em poucas semanas acumulou três milhões de visualizações. “É difícil imaginar que há quatro anos o documentário do Michael Jackson e o documentário do R. Kelly tivessem distribuição”, diz Amy Berg ao The Guardian.

A HBO, que tem uma longa tradição de documentário, marcou o ano com Leaving Neverland, sobre as alegadas vítimas de abuso sexual de Michael Jackson. Juntamente com o seu co-produtor britânico, o Channel 4, o filme foi visto por mais de quatro milhões de espectadores – fora o seu público em streaming, como foi o caso da HBO Portugal. E não se trata apenas do estatuto de estrela de Jackson, visto que, segundo o Netflix, em 2016, 73% dos seus assinantes viram pelo menos um documentário. Trata-se de uma vontade de ver documentários, e sobretudo histórias de crime real. Entretanto houve Making a Murderer, há Conversations With a Killer, The Disappearance of Madeleine McCann ou a série e o documentário baseados no podcast do Los Angeles Times, Dirty John.

E assim chegamos à segunda curta história, a do mais recente trabalho de Amy Berg, The Case Against Adnan Syed (HBO Portugal). São quatro episódios de uma série na forja desde Outubro de 2015, um ano depois de Adnan Syed, condenado em 2000 pelo homicídio da ex-namorada Hae Min Lee, ter sido o centro de um caso sério de popularidade. O podcast Serial inaugurou uma forma de contar histórias em áudio, inspirou e ajudou a insuflar a bolha de “crime real” nas imagens em movimento. 

Amy Berg devorou Serial, juntando-se aos mais de 175 milhões de downloads só no seu primeiro ano de vida, e produziu esta série. Se Serial praticamente interpôs um recurso no tribunal da opinião pública, os verdadeiros recursos judiciais negaram a Syed, também em Março, um novo julgamento e reiteraram a sua condenação. “Li uma coisa que comparava o [género] ‘crime real’ com uma descarga de adrenalina, como a que experimentamos numa montanha-russa. Acho que há uma natureza viciante nesta ideia de ‘crime real’”, admite ao The New York Times Amy Berg, cujo trabalho vai muito além de uma moda.

No Vimeo, está então An Open Secret, na HBO Portugal está The Case Against Adnan Syed. Ambos falam também sobre documentários.

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