Será o PM Costa um Houdini?

Já todos sabíamos que Costa é politicamente hábil mas poucos conheciam a sua ousadia, uma qualidade invejável e rara na política actual. A áurea do carisma da liderança não deve ser subestimada.

Será o PM Costa uma espécie de Houdini que se conseguiu libertar de um colete-de-forças político? Reconsideremos alguns factos recentes e muito pertinentes. No Parlamento, Catarina Martins do BE e Jerónimo de Sousa da CDU afirmaram reiteradamente a sua intransigência negocial em relação à Lei de Bases da Saúde. Consequência: os socialistas perceberam que a margem de manobra negocial à sua esquerda era parca e que decresceria à medida que se aproximam as eleições. PSD e CDS percebem que o PS está encurralado à esquerda e decidem encurralar o PS numa situação deveras delicada. Optam pelo oportunismo radical e abdicam por completo da integridade ideológica. Aprovam a recuperação integral do tempo de serviço dos professores sabendo que o governo PS teria ao seu dispor apenas duas opções, ambas igualmente indesejáveis: ou votava contra, antagonizando toda uma classe (e não só) a poucos meses de eleições, ou votava a favor, criando um precedente inconstitucional que seria certamente e justamente explorado por toda a função pública, abrindo uma caixa de Pandora de reivindicações que, diz o mago Centeno, poria em causa as contas públicas.

Encurralado à direita e à esquerda, entre uma parede e uma rocha, o PM Costa ameaça com a demissão do seu governo, justificada pelo imperativo da responsabilidade orçamental. Alem disso, expõe a flagrante e embaraçosa hipocrisia ideológica da direita. O primeiro e quiçá mais importante efeito do drama encenado por Costa foi o de conter temporariamente o fervor reivindicativo do BE e da CDU, um feito precioso num período pré-eleitoral. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa depressa mostraram-se disponíveis para manter a actual solução governativa. Proclamaram a sua coerência programática e afirmaram a sua autenticidade ideológica mas a sua disponibilidade para manter o actual estado de coisas deixou no ar a impressão de que ambos se submeteram ao diktat do PM Costa.

De uma assentada, o PM  conseguiu secundarizar as agendas reivindicativas do BE e do PCP na opinião pública ao mesmo tempo que, pasme-se, manteve a porta aberta para uma eventual “geringonça" II. Nada mau. É certo que o BE e o PCP manter-se-ão fiéis às suas agendas reivindicativas mas a verdade é que, por ora e para o futuro, quaisquer “excessos” do BE e da CDU numa futura “geringonça” poderão ter como riposte socialista um “estado de excepção” político. Ou apoiam o PS ou correm o risco de serem diabolizados pelos seus eleitorados por terem facilitado ou propiciado a re-ascensão da direita.

O blitzkrieg teatral de Costa será usado pelo PS para conter o BE e o PCP não apenas neste período pré-eleitoral. Se depois das próximas eleições o PS precisar do apoio parlamentar do BE e da CDU, não serão apenas os socialistas que terão de se libertar do apertado colete-de-forças que dá pelo nome de expectativas. O ónus será doravante compartilhado. A mensagem dos socialistas para o BE e para a CDU é límpida: V. Exas podem condicionar a nossa governação mas não nos podem encurralar ou chantagear. 

Não foram poucos os analistas que interpretaram o mise-en-scène de Costa como uma investida ao eleitorado do centro-direita que, como é sabido, é sensível à questão do rigor orçamental. Todavia, será plausível supor que este drama deveras maquiavélico seduzirá os eleitores da direita? Não me parece. Embora não disponha de dados empíricos que corroborem esta minha suspeita, acredito que a aproximação do PS ao BE e à CDU depois das últimas eleições terá alienado boa parte dos eleitores do centro-direita que outrora possam ter votado no PS. Defenderia uma outra tese. O que o PM Costa pretende é tão simplesmente isto: mobilizar uma maioria socialista. Como? Pela via da afirmação do poder de decisão. Costa lembrou aos socialistas o que significa governar sozinho. Pouco importa se esta foi ou não uma intenção sua. Os efeitos não intencionais das estratégias não raramente revelam-se mais decisivos do que os intencionais. Recordam-se da vitória eleitoral inesperada de Pedro Passos Coelho, não obstante o suplício da austeridade? Deveu-se a quê? Ao seu inegável carisma de líder inteligente, resoluto e tenaz. Não será necessário ler Max Weber ou Martin Buber para compreender o quão importante (e imponderável) é o carisma da liderança.

Costa demonstrou ser um líder inteligente e criativo, um verdadeiro Houdini político. Já todos sabíamos que Costa é politicamente hábil mas poucos conheciam a sua ousadia, uma qualidade invejável e rara na política actual. A áurea do carisma da liderança não deve ser subestimada.

Não me parece de todo implausível supor que o PS possa ganhar as próximas eleições legislativas com uma maioria absoluta. Mesmo se não a conseguir, terá ao seu dispor uma esquerda que abomina a possibilidade de ser diabolizada por ter abdicado da possibilidade de condicionar um governo socialista. O PSD e o CDS tem apenas uma saída do imbróglio que criaram: libertarem-se das suas ineptas lideranças o mais rapidamente possível. O BE e a CDU só podem fazer o que sempre fizeram: reivindicar. 

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