Professores: Mais uma vez, interesses de Costa e Marcelo confluíram

O desfecho desta crise tal como aconteceu era o único que interessava ao mesmo tempo ao Governo e ao Presidente.

Antes da crise, Marcelo e Costa estiveram juntos nas comemorações do 25 de Abril
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Antes da crise, Marcelo e Costa estiveram juntos nas comemorações do 25 de Abril Daniel Rocha
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Daniel Rocha

Uma semana. A crise política suscitada pela ameaça de demissão do primeiro-ministro durou exactamente uma semana. Terminou nesta sexta-feira, por volta da hora do almoço, com o chumbo das apreciações parlamentares que pretendiam alterar o decreto do Governo sobre os professores. António Costa agradeceu ao Parlamento a “vitória da responsabilidade”, primeiro, e seguiu para Belém, depois, para a reunião semanal com Marcelo Rebelo de Sousa.

“Este não é o tempo do Presidente da República”. Foi a frase que o PÚBLICO ouviu de Belém ao longo da semana em que a ameaça de crise política nasceu, cresceu e se esfumou. Não seria, mas o silêncio de Marcelo Rebelo de Sousa foi inédito e com várias leituras políticas possíveis. A primeira é que, ainda que metido num colete de forças, Marcelo Presidente ganhou, por fim, a Marcelo comentador. Mas será só isso?

É claro, desde o início, que o Presidente mais falador da democracia não se quis envolver numa crise parlamentar enquanto não fosse obrigado a decidir sobre ela. A frase “este não é o tempo do Presidente da República” contém em si essa explicação: até à votação final global do diploma, a questão era entre os partidos. E desta vez, pelo menos, não havia vetos ou promulgações antecipadas, ao contrário do que tem feito, por exemplo, em relação à Lei de Bases da Saúde.

Marcelo, que já tinha vetado uma vez e promulgado outra o decreto-lei do Governo sobre a reposição de apenas dois anos, nove meses e 18 dias, manteve sempre em aberto o que faria se o Parlamento decidisse outra coisa diferente. Quando promulgou, a 11 de Março, escreveu na mensagem justificativa: “A promulgação permite aos partidos com assento parlamentar, que já manifestaram ao Presidente da República as suas objecções ao diploma, por o considerarem insuficiente, que, se assim o entenderem, suscitem a sua apreciação na Assembleia da República, partindo já de uma base legal adquirida, podendo, se for essa a sua vontade maioritária, procurar fórmulas que não questionem os limites do Orçamento para 2019”. A linha vermelha presidencial era, pois, a lei-travão orçamental.

Da última vez que se pronunciou sobre o assunto, porém, já era mais cauteloso e aproximava-se da posição do Governo: “É preciso retirar consequências para o futuro”, disse na RTP a 23 de Abril, no programa de debate político O Outro Lado. “No futuro, se houver outra qualquer crise, um Governo que tome medidas de emergência sabe que está a assumir implicitamente a obrigação – ele ou o próximo, ou o próximo do próximo – de repor a situação, nem que seja quantos anos depois, que ocorreria se não tivesse havido aquelas medidas”, explicou.

Portanto, já não era só a lei-travão que o podia travar, mas eventualmente também a avaliação dessas consequências futuras. E teria de ponderar também a eventual violação do princípio da igualdade, desde logo para com os professores das regiões autónomas, que entretanto estão a ver garantida a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço que reivindicam.

Desde sexta-feira, 3 de Maio, as variáveis já não eram só estas. Com a ameaça de demissão de António Costa caso o diploma aprovado na especialidade passasse em plenário, Marcelo teria de ponderar a própria situação política do país e o “normal funcionamento das instituições” de que é guardião por imperativo constitucional. E aí teria duas grandes opções: não aceitar a demissão de António Costa ou aceitá-la, mas mantendo-o em funções até às legislativas marcadas para 6 de Outubro; ou então aceitar a demissão, dissolver o Parlamento e marcar legislativas antecipadas.

No primeiro cenário, com ou sem aceitação da demissão, a não dissolução do Parlamento ia contra a vontade do PS de ter eleições antes do Verão. A vantagem óbvia para Marcelo era levar a legislatura até ao fim, como sempre desejou. A desvantagem era ter de decidir, ainda assim, se promulgava ou vetava o diploma contra a vontade do Governo, acicatando ainda mais os ânimos políticos e sociais em plena campanha para as europeias e a quase cinco meses das legislativas. O normal funcionamento das instituições estaria em xeque.

O segundo cenário – a dissolução do Parlamento – levantaria outro tipo de problemas. Seria, desde logo, acusado pela direita de mais uma vez se colocar ao lado do PS e de o favorecer eleitoralmente. Mas teria também um calendário difícil de gerir: as imposições constitucionais obrigariam a ouvir os partidos e o Conselho de Estado antes de dissolver o parlamento, o que levaria pelo menos uma semana. A dissolução seria em plena campanha eleitoral para as europeias, matando de vez o debate europeu.

Depois, teria de marcar as eleições com um mínimo de 55 dias de antecedência, o que significa que as eleições nunca podiam ter lugar antes da segunda quinzena de Julho, em plenas férias escolares e de Verão, agravando o risco de abstenção que tanto combate. Além disso, como poderia justificar ao país​ a urgência de antecipar em dois meses (de Verão) as eleições legislativas?

Mais uma vez, os interesses de Presidente e primeiro-ministro confluíram. O desfecho desta crise tal como aconteceu – com o recuo dos partidos da direita e o chumbo da contagem integral do tempo de serviço no Parlamento – era o único que interessava ao mesmo tempo ao Governo e ao Presidente. Fica por saber se Marcelo e Costa acertaram uma estratégia comum ou apenas seguiram os seus instintos políticos. Certo é que ainda não foi desta que entraram em rota de colisão.

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