Poeira negra que cobre Paio Pires não é nociva para a saúde. Origem permanece desconhecida

Estudo do Instituto Superior Técnico frisa que as amostras analisadas — a da poeira negra visível que mais preocupava a população — são de partículas não inaláveis. Logo, que não têm efeitos nocivos para a saúde humana. Resta investigar as partículas mais pequenas, acrescenta o estudo.

Foto
A Siderugia Nacional, uma das empresas do pólo industrial do Seixal, que poderá estar na origem da poeira Nuno Ferreira Santos

As partículas negras que cobrem a Aldeia de Paio Pires, no Seixal, foram estudadas pelo Instituto Superior Técnico (IST), que concluiu que têm uma composição semelhantes “às encontradas numa zona industrial”. Mas são precisos mais estudos para determinar com certeza a fonte de emissão. As conclusões da pesquisa pedida pela Câmara Municipal do Seixal foram apresentadas neste sábado, nas instalações do Clube do Pessoal da Siderurgia Nacional.

O objectivo deste estudo era “fazer a caracterização da composição das poeiras depositadas em Paio Pires”, conforme explica Marta Almeida, professora e investigadora do IST, à população reunida nesta apresentação. E o que se descobriu, analisando as partículas de cor “cinzenta escura”, recolhidas na primeira quinzena de Janeiro, é que têm um perfil semelhante às que foram encontradas e estudadas noutros pontos da Europa e do mundo em “zonas industriais com siderurgia”.

Apesar de o estudo ter sido encomendado durante o ano de 2018, a amostra foi recolhida já neste ano, a 15 de Janeiro – ainda antes de se saber que o Ministério Público estava a investigar as queixas dos moradores acerca de uma poeira branca que cobria automóveis e janelas da região, e de a Associação Zero ter denunciado as excedências que o medidor de partículas inaláveis registou durante 13 dias, ultrapassando-se o valor-limite de protecção da saúde humana.

Foram recolhidas sete amostras de pó a partir do cemitério da freguesia (por ser esse um dos únicos sítios cuja lavagem era controlada), que foram posteriormente enviadas para a Hungria para serem analisadas. Detectaram-se altas concentrações de ferro, cálcio, alumínio, magnésio, manganês – todos eles “elementos normalmente associados à actividade industrial”, interpreta a investigadora.

Para dar ainda mais força a essa tese, as partículas encontradas têm “um diâmetro muito elevado, o que significa que a sua origem está muito próxima” – isto porque as partículas de grandes dimensões não conseguem viajar até muito longe; já uma partícula muito fina pode viajar durante dias.

“Parece-nos que a fonte destas partículas localiza-se neste parque industrial, portanto muito próximo da Aldeia de Paio Pires”, completa a professora do IST, com mais de 20 anos de estudo sobre a qualidade do ar. A Siderurgia Nacional (actual SN-Seixal) dista cerca de 200 metros do cemitério onde foram recolhidas as amostras, e há outra zona industrial a cerca de três quilómetros.

“Uma coisa que deve ficar bem clara é que as partículas que analisámos têm uma dimensão muito elevada, portanto não penetram no aparelho respiratório”, frisa Marta Almeida. Apenas as partículas com tamanho inferior a 10 micrómetros (conhecidas como PM10) são legisladas, pelos efeitos nocivos para a saúde – o que não acontece com as partículas que foram estudadas.

A primeira de várias fases de estudo

Este foi o primeiro estudo alguma vez feito ao pó que cobre a Aldeia de Paio Pires, como frisaram o vereador da área do ambiente da Câmara Municipal do Seixal, Joaquim Tavares, e o presidente da União de Freguesias do Seixal, Arrentela e Paio Pires, António dos Santos, durante a apresentação. Mas não será o último, completa a investigadora Marta Almeida.

Numa primeira fase foram estudadas as partículas visíveis a olho nu, que reagem à presença de um íman (algo que os moradores alegam e que os investigadores “também verificaram”) porque “havia uma preocupação com o pó que se via” e que fazia com que a população “se sentisse incomodada”, disse Marta Almeida.

Mas para se saber ao certo que tipo de partículas podem pairar sobre a Aldeia de Paio Pires será necessário estudar mais, e, desta vez, pedir a “colaboração das indústrias”, para identificar sem dúvidas a origem do pó. 

Para além disso será ainda necessário fazer uma amostragem das partículas PM2.5, as mais pequenas e que penetram mais a fundo no corpo humano, com recurso a mostradores de partículas com filtros. “Cada fonte tem uma impressão digital, e todos esses elementos são importantes para a caracterização”, completa a investigadora.

O terceiro e último passo será perceber até onde chegam estas partículas, para lá dos limites da Aldeia de Paio Pires. Para isso, os investigadores vão usar dois tipos de biomonitores: os líquenes (que apenas aparecem em zonas não poluídas, e que por isso vão obrigar ao transplante vindo de uma zona “limpa” de Portugal para Paio Pires) e os morangueiros. Nessa parte, vão pedir a pelo menos 100 moradores que cuidem de um morangueiro durante três meses para depois se analisarem as folhas.

Não vai ser um trabalho rápido, sentencia Marta Almeida. “Os estudos à qualidade do ar não são estudos rápidos porque há uma variabilidade das concentrações. Temos de considerar as condições meteorológicas de pelo menos um ano de amostragens, com todas as estações do ano.”

Apesar de serem necessários mais estudos, este foi um começo, vinca o presidente da junta de freguesia, António dos Santos. “Todos nós sabemos que o problema da poluição da Siderurgia Nacional é histórico, começou na fundação. O dado novo é que temos conhecimento que nos permite responder doutra maneira. Tem de haver resultados científicos e este é se calhar o primeiro onde nos podemos realmente debruçar”, comentou, depois da intervenção de um morador, que apontou o dedo ao impacto negativo da actividade siderúrgica.

Moradores avançam para tribunal, Siderurgia contesta

Há pelo menos uma acção em tribunal contra a Siderurgia Nacional, motivada pela poluição atmosférica alegadamente causada por esta indústria. O Tribunal de Almada admitiu, em Fevereiro, a acção popular cível apresentada pela Associação Terra da Morte Lenta, que pedia a suspensão imediata da actividade da Siderurgia Nacional e uma indemnização de 500 milhões de euros, valor que diz ter em conta o número de habitantes nesta zona, “cerca de 100 mil pessoas”, e que se destina a um fundo que será explorado por entidades como a Câmara do Seixal, o Instituto Ricardo Jorge ou a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), com o objectivo de “melhorar a qualidade do ar”.

Soube-se, na passada terça-feira, que a Siderurgia Nacional do Seixal acusou a Associação da Terra da Morte Lenta de “litigância de má-fé” e pediu uma indemnização superior a um milhão de euros, escreve a agência Lusa.

A Siderurgia Nacional realça o “carácter infundado das acusações que lança sobre a actividade da SN-Seixal praticamente a todos os níveis, com graves e inegáveis repercussões comerciais, financeiras e reputacionais” para pedir ao Tribunal que “condene a Associação da Terra da Morte Lenta como litigante de má-fé”.

Na contestação, a defesa da empresa sublinha ainda que a actividade desenvolvida pela SN-Seixal é minuciosamente regulada e fiscalizada por diversos normativos e entidades, cumprindo com os requisitos impostos.

“Nessa medida, é falso que a SN-Seixal viole os valores limite de emissão relativos às emissões para a atmosfera de substâncias poluentes ou que não previna ou minimize a poluição atmosférica e/ou sonora”, escreve a empresa, adiantando também que “cumpre com as melhores técnicas disponíveis aplicáveis à sua actividade e tem implementadas várias medidas para minimização dos eventuais impactos daí resultantes”.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários