Investigadores desenvolvem algoritmo para detectar sintomas de ansiedade em crianças

O novo algoritmo apenas precisa que as crianças lhe contem uma história durante três minutos.

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Se não forem identificados, os transtornos de ansiedade causam medo e preocupação extremos e mudanças no comportamento, sono, alimentação e no humor dos mais novos Miguel Manso / PUBLICO

Um grupo de investigadores nos EUA está a desenvolver um sistema informático para detectar sinais de ansiedade e depressão em crianças através da voz. Já foi testado em 71 crianças norte-americanas entre os três e os sete anos de idade com 80% de sucesso. Os primeiros resultados foram publicados esta semana este mês na revista académica Journal of Biometical and Health Informatics.

Para funcionar, o novo algoritmo apenas precisa que as crianças lhe contem uma história durante três minutos. São cerca de 57 minutos a menos que uma consulta de diagnóstico tradicional que implica uma entrevista de pelo menos uma hora entre a criança, um especialista na área, e o médico de família.

“Temos de começar a detectar estas condições mais cedo e mais depressa porque podem ser facilmente ignorados”, justificou ao PÚBLICO Ellen McGinnis, autora principal do estudo e psicóloga clínica no centro de pediatria da Universidade de Vermont, nos EUA. “Eu trabalho com muitas crianças mais crescidas e adolescentes que têm ansiedade e depressão. Quando pergunto quando é que os problemas começaram, muitos dizem ‘sinto-me assim desde que me lembro’.”

É algo que também se verifica em Portugal. “Nota-se realmente um aumento na ansiedade dos mais novos. A partir dos três anos, mas de forma mais aguda na altura da entrada para a escola”, disse ao PÚBLICO o pedagogo português Renato Paiva. O especialista diz que as escolas estão cada vez mais atentas aos sintomas que incluem dificuldade de atenção, comportamentos de isolação, e problemas de sono. “Não posso avaliar o sistema do estudo porque não o conheço. Mas a ideia é boa. É uma mais valia perceber e detectar estes problemas o quanto antes. Pais cada vez mais agitados e stressados tendem a passar estes sentimentos aos filhos.”

A equipa de McGinnis, que junta profissionais de psicologia, psiquiatria, e engenharia biométrica, começou por compilar uma base de dados de crianças diagnosticadas com sintomas de depressão e ansiedade e crianças sem sintomas. Ao analisar uma série de características no padrão de discurso das crianças (número de pausas, timbre, tom de voz), o algoritmo identificou características comuns na forma como crianças com sintomas de depressão e ansiedade se expressam ao longo de um pequeno discurso. Por exemplo, timbres muito baixos e muitas repetições no discurso são sinais associados a crianças com sintomas de depressão.

“O espaço para sistemas de detecção de problemas de saúde mental através de tecnologias rápidas, económicas, e exequíveis tem o potencial de dar voz a populações que sentem dificuldade em expressar sentimentos de angústia e procurar ajuda adequada”, escrevem os autores no estudo. “Um sistema baseado na análise de dados, com algoritmos de inteligência artificial, é ideal para a tarefa.”

Missão não é diagnosticar 

Os resultados do algoritmo sobre crianças em risco coincidiram com os resultados de entrevistas clínicas estruturadas e questionário preenchidos pelos pais. A missão, porém, não é diagnosticar as crianças. Consoante os resultados, as crianças devem ser encaminhadas para um exame mais completo com um psicólogo ou psiquiatra. 

“A ansiedade pode afectar até 20% de crianças [nos EUA]. A depressão 2%”, acrescentou a investigadora. Diz que o objectivo do sistema que desenvolveu é causar o mínimo de preocupação aos mais novos.

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Nos EUA, 20% das crianças manifestam sintomas de depressão Davidson Luna/Unsplash

“Imaginamos um sistema simples em que enquanto se está à espera de uma consulta com um pediatra, uma assistente vem e pede a uma criança para lhe contar uma história. A criança sabe que vai ser filmada e que vai ser avaliada no nível de interesse da história”, explicou. Ao falar, a criança é interrompida duas vezes com alertas sobre o tempo que falta. “Só que a criança nunca é julgada”, disse a investigadora. “A assistente até pode dizer que fizeram um óptimo trabalho no final.”

O vídeo da criança passa depois por um sistema, que deverá fazer parde de uma aplicação móvel, que avalia os dados de áudio e transmite uma recomendação ao médico. 

Ainda é necessário mais trabalho e investigação antes de o sistema estar pronto para o público. “O nosso resultado é baseado numa amostra relativamente pequena”, admitiu Ryan McGinnis, um investigador da Universidade de Vermont com um doutoramento em engenharia mecânica, que participou na parte técnica do estudo. As crianças incluídas no estudo fazem parte de um grupo muito homogéneo: além de virem todas dos EUA e falarem inglês, os rendimentos anuais das famílias são semelhantes, e 83% das crianças vivem em lares com os dois encarregados de educação presentes.

“É preciso replicar os nossos resultados numa amostra maior”, disse Ryan McGinnis. “No entanto, os resultados são entusiasmantes porque mostra o tipo de trabalho que temos de desenvolver nesta área para ter métodos de avaliação rápidos e precisos para crianças pequenas.”

No futuro a equipa também quer incluir informação sobre os movimentos das crianças enquanto contam uma história no sistema.

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