Ainda mais “gelo nos pulsos”

1. Vamos voltar à normalidade, é o que parece. E o que é a normalidade? Neste caso, é termos eleições antecipadas. Não estou a falar destas que-estiveram-para-acontecer-e-já-não-vão-acontecer. Estou a falar depois de 2019.

A crer nas sondagens, o PS poderá ganhar essas eleições com maioria relativa. A crer naquilo que os vários dirigentes à esquerda têm dito (e feito), António Costa estará tentado a governar à Guterres, ou seja, sem um novo acordo com as garantias dadas pelo da “geringonça” assinado em Novembro de 2015 e aprovando leis ora à esquerda, ora à direita. Ou, como diria Catarina Martins, um exercício que exigirá ainda mais “gelo nos pulsos”.

Subindo em relação ao resultado de 2015, ao PS bastaria um partido de esquerda apenas para formar maioria absoluta. Porém, a relação com o BE está tremida e não é crível que o PCP aceite um acordo permanente, deixando de fora o seu competidor directo.

Isso quer dizer que a próxima legislatura tem condições para durar os quatro anos inteirinhos como esta? Duvido. E é aqui que chega a normalidade. Desde as eleições constituintes de 1975, tivemos 13 legislativas. Destas, nove foram eleições antecipadas. Dito de outro modo, apenas houve legislaturas completas com Cavaco Silva (1991 e 1995), José Sócrates (2005) e Pedro Passos Coelho-Paulo Portas (2011). A actual, se chegar até ao fim, como parece certo, será o quinto caso de excepção à regra.

Percebe-se, pois, que a Costa tenha parecido boa ideia aproveitar a oportunidade que PSD e CDS lhe estenderam ao aprovar em comissão parlamentar a contagem integral de tempo dos professores. Se houvesse eleições antecipadas rapidamente, embalado pelo erro político clamoroso de Rui Rio e Assunção Cristas, Costa ainda poderia sonhar com uma maioria absoluta e dispensar a esquerda. 

Tudo isto foi tão claro nas declarações públicas: quanto menos “esquerdistas”, mais fervorosos da demissão do Governo e de eleições antecipadas. Foi o caso de Carlos César ou Mário Centeno enquanto Mariana Vieira da Silva ou Duarte Cordeiro se esforçaram para sublinhar as virtudes da “geringonça”.

2. Rui Rio teve, nestes dias, um dos piores momentos da sua liderança ou, dito de outra forma, mostrou como um líder nunca se deve comportar. Desprezou os deputados, mostrou à evidência que não se sente responsável pelo partido como um todo. E só não foi trucidado pelo seu próprio partido e pelo seu grupo parlamentar porque tem a faca e o queijo nas mãos: o poder para decidir quem fica nas listas de deputados e quem salta fora.

Assunção Cristas recuou com igual estrondo. Sexta-feira, deu uma conferência de imprensa a reiterar o voto a favor do CDS pela contagem integral do tempo de serviço. Domingo de manhã anunciava o recuo, depois de Pires de Lima ter evocado o legado do “partido do contribuinte”. Cristas conseguiu uma coisa notável: fazer Paulo Portas quebrar a sua promessa de não falar de política nacional tal o choque que não terá sentido.

3. Talvez seja boa ideia os deputados voltarem a pegar no projecto lei que chegou a ser aprovado na votação na generalidade em 2011 mas que não viu a luz do dia porque o Governo caiu entretanto: a alteração à lei eleitoral para a Assembleia da República que reduzia de 60 para 45 dias o prazo para o Presidente convocar eleições legislativas em cenário de antecipação. Pode vir a dar jeito.

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