Vitória fez uma mochila para o filho e 40 anos depois a Monte Campo mantém-se de pé

Há quatro décadas, as mochilas Gardunha eram o último grito da moda. A marca revitalizou-se e lança agora sweats e t-shirts.

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Eduardo Pinheiro tinha nove anos quando surpreendeu a mãe com um pedido inusitado: “Oh mãezinha e se me fizesses uma mochila para a escola?”, recorda Vitória Pinheiro, voz pausada e fita métrica à volta do pescoço. Andou a magicar com o pai como a iam fazer. “Acabámos por criar um modelo na máquina de costura onde estávamos a fazer as primeiras Monte Campo para campismo”, conta a mãe que mal sabia que a sua mochila seria o último grito da moda. Quarenta anos depois a marca reinventa-se, lança novas mochilas e sweats para acompanhar as exigências do mercado.

“Quando o meu filho levou a mochila para a escola, foi uma euforia, os colegas também queriam uma igual”, recorda o pai, de quem o filho herdou o nome. “Depois não tínhamos mãos a medir para tantas encomendas”, acrescenta a mulher sorridente que se lembra bem desses “tempos áureos”. “Parecia o pão a sair do forno. As pessoas punham-se em fila à porta da nossa casa para comprar a mochila para a escola”, recorda Vitória Pinheiro. Sentado ao seu lado, numa sala com as paredes decoradas com os mais diversos modelos de mochilas, o filho confessa que tem pena de já não ter essa primeira mochila que marca o início da Monte Campo no mercado escolar.

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A história da empresa de São João da Madeira, que começou numa divisão da casa de Eduardo e Vitória Pinheiro conta-se, então, em 40 anos, era o filho ainda pequeno. Mas não foi fácil de escrever. “Foi sempre tudo muito difícil”, conta a mãe. As páginas da empresa começaram a ser escritas quando Eduardo Pinheiro regressou a São João da Madeira, para junto da mulher e do filho. Chegava da guerra na Guiné-Bissau, tinha então 25 anos, com a cabeça em água pelos “tempos bem difíceis que lá viveu”, recorda. Ainda trabalhou numa empresa na região, mas um dia, um conhecido desafiou-o a criar mochilas de campismo, porque não havia em Portugal. “Íamos a Vigo comprá-las”, conta, recordando os tempos em que muitos portugueses passavam a fronteira para comprar mercearia que era muito mais barata. “Nem íamos para comprar bacalhau, mas comprávamos as mochilas de campismo”, recorda Eduardo Pinheiro, com entusiasmo na voz.

Primeiro o campismo

A família já costumava acampar e pensou: porque não transformar uma divisão da casa em mini fábrica? Primeiro com a mulher à frente da máquina de costura e depois com mais funcionários. Começaram a idealizar as mochilas. Um desenho atrás do outro até chegarem ao modelo ideal. “Muitas noites passámos em claro a pensar e a fazer as mochilas”, conta Vitória, com saudosismo. “Ai devem ter passado! Porque ainda hoje estamos noites em claro quando temos que fazer um modelo novo”, acrescenta o filho que assistiu ao crescimento da marca Monte Campo. “É tipo ovo de Colombo. Até encontrarmos a solução ideal.”

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Mas não foi fácil. “Era preciso tecidos e fechos de qualidade que comprávamos a outras empresas”, lembra o pai que, aos 74 anos, já não trabalha na fábrica. Passou a pasta ao filho que foi jogador profissional de hóquei em patins até aos 27 anos e que tem já tem os filhos a trabalhar com ele: a filha é designer de moda; e o filho, jogador de futebol, ajuda na gestão das redes sociais. Aos 70 anos, Vitória Pinheiro continua a trabalhar na fábrica. É uma “faz tudo”, desde a costura ao corte. “Agora é tudo muito mais moderno, com máquinas em série no rés-do-chão da unidade fabril”, conta. “Antigamente as mochilas tinham os ferros, as armações por fora”, lembra o filho, dizendo que a Monte Campo começou por esse produto.

A família criou os modelos e baptizou-os com os nomes das serras portuguesas: Estrela, Marão, Gerês, “porque era mais fácil até de decorar e assim tínhamos muitos nomes ao nosso dispor ligados à natureza”, elucida o pai. Com persistência e imaginação, a família alcançou “um enorme sucesso”, lembra o filho, elucidando que “a Monte Campo não tinha comerciais, marketing e nem sequer fazia publicidade.”

O pai recorda a primeira encomenda de mochilas de campismo em grande quantidade que entregaram. “Saímos de madrugada e demorámos sete horas a chegar a Lisboa para entregar a mercadoria e depois viemo-nos embora”, lembra. As vendas dispararam nas décadas de 1980 e 1990 com a mochila Gardunha, um modelo icónico que ainda hoje está presente na memória de muitos portugueses. “Ainda há pessoas que têm mochilas com 20 e 25 anos de utilização e não a vendem por dinheiro nenhum”, sublinha Eduardo Pinheiro pai, orgulhoso.

Só que depois de tanto sucesso, há 20 anos, as encomendas caíram drasticamente. “Coincidiu com a entrada no mercado de mochilas muito baratas vindas da China e a adesão de Portugal à União Europeia”, recorda o filho. Para dar a volta à crise, a empresa começou a produzir mochilas a um custo mais baixo, na Ásia.

Os “alfaiates das mochilas"

Pouco a pouco foram conquistando nichos de mercado com a venda de mochilas e outros produtos para “as tropas especiais do exército e a mochilas de combate a fogos que levam água”, continua o pai. O filho acrescenta, entre risos: “Costumo dizer que somos alfaiates das mochilas porque as personalizamos em função do que nos pedem.” Actualmente, continuam a fabricar para o Exército e para o Grupo de Intervenção Protecção e Socorro (GIPS) da GNR. E ainda para um segmento mais especializado como o alpinismo, montanhismo e campismo, além de private label. “Também fazemos coletes para os cães andarem nas manifestações com as câmaras de filmar”, acrescenta Eduardo Pinheiro. “Assim conseguimos aguentar-nos no mercado”, continua satisfeito por a marca estar a crescer novamente.

De há um ano para cá, a empresa conseguiu revitalizar a marca, substituiu o logótipo Monte Campo por um símbolo bordado no tampo da mochila, estamparam as fitas com o nome da marca, e os fechos exteriores são vulcanizados (à prova de água). As mochilas têm uma bolsa no interior para o transporte de portátil. E para comemorar as quatro décadas do seu maior sucesso, a Monte Campo lançou, o ano passado, uma nova colecção da clássica Gardunha, que custa 64 euros, sob o mote “há 40 anos nas costas dos portugueses”.

Com estas mudanças, a marca triplicou a sua facturação sem, contudo, divulgar valores. Este fim-de-semana apresenta três novos modelos de mochilas e fanny bags (bolsas de cintura), além de uma gama de sweats e t-shirts, com bordados e estampados.

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