Em Plutão é quase Inverno e a atmosfera vai transformar-se em geada

Estudo com a participação de investigadores portugueses do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço divulgado esta sexta-feira desvenda resultados de missão de 14 anos de observações de Plutão.

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Atmosfera de Plutão, observada pela sonda New Horizons, da NASA, em Julho de 2015 NASA/Universidade Johns Hopkins/Instituto de Investigação do Sudoeste

As imagens mostram-nos um arco que se parece com uma espécie de arco-íris mas só em tons de azul e luz. O comunicado do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) fala numa “atmosfera evanescente, um ténue envelope de gás, produzido pela sublimação periódica dos gelos de azoto”. As linhas de nevoeiro azulado surgem pela acção da luz solar sobre o metano e outras moléculas da atmosfera de Plutão. É o lado visível de um trabalho que acompanhou durante 14 anos a evolução da atmosfera de Plutão, o planeta-anão com menos de um quinto da massa da Lua. O estudo, publicado esta sexta-feira na revista Astronomy and Astrophysics, contou com a participação do cientista Pedro Machado, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

“Cada vez mais olhamos para a atmosfera sazonal de Plutão como uma actividade cometária”, explica Pedro Machado, citado no comunicado do IA. “Como é um corpo de pequena massa, as moléculas de azoto atingem a velocidade de escape com muita facilidade, e Plutão perde atmosfera, como os cometas. O que irá acontecer agora é que as temperaturas estão a baixar e as moléculas de azoto começam de novo a formar cristais perto da superfície, num processo semelhante à geada de água aqui na Terra.”

Os cientistas analisaram dados da atmosfera deste planeta-anão entre os cinco e os 380 quilómetros de altitude obtidos entre 2002 e 2016, refere o comunicado, adiantando que “este período coincidiu com o Verão no hemisfério Norte de Plutão, onde predominam os reservatórios de gelo de azoto, que sublimam pela exposição e proximidade ao Sol”. Numa nota de rodapé, acrescenta-se a explicação mais detalhada sobre as particularidades do planeta-anão: “Como o eixo de rotação de Plutão é muito inclinado, este roda quase deitado na sua órbita. Isto faz com que exponha permanentemente ao Sol as latitudes setentrionais durante uma fracção de mais de dois séculos que demora a sua volta completa ao Sol.” A sua órbita, lembram ainda os cientistas, é muito “excêntrica” tendo em conta que a distância ao Sol varia entre 30 e 49 vezes a distância média da Terra ao Sol. Em 1989 Plutão passou pelo ponto da órbita mais perto do Sol.

Assim, tal como os autores concluem no artigo, “a ténue atmosfera de azoto de Plutão sofre fortes efeitos sazonais devido à alta obliquidade e excentricidade orbital”. Este invulgar perfil da atmosfera do planeta-anão foi observado em 2015 pela sonda New Horizons. Mas, agora, os cientistas queriam conseguir um registo “bem calibrado da evolução sazonal da pressão superficial em Plutão”.

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Vista da superfície de Plutão, com as finas camadas de nevoeiro na ténue mas extensa atmosfera de Plutão NASA/JHUAPL/SwRI

O estudo agora divulgado indica que “a pressão atmosférica à superfície aumentou em cerca de duas vezes e meia desde 1988 até ao seu máximo em 2015, ainda assim cem mil vezes mais ténue do que a pressão atmosférica média ao nível do mar na Terra”. A análise resulta de observações de 11 vezes em que Plutão passou diante de estrelas no céu, recorrendo a uma técnica conhecida como ocultação estelar e que permite usar a luz da estrela. Ou seja, as conclusões baseiam-se em 11 ocultações estelares por Plutão observadas entre 2002 e 2016. “A luz da estrela, embora escondida da Terra pelo corpo sólido, é desviada pela atmosfera na nossa direcção”, explica o comunicado do IA. Olhando para as diferenças na luz e através da avaliação de um conjunto de outros parâmetros foi possível obter dados sobre os perfis atmosféricos, mais especificamente sobre a densidade, pressão e temperatura.

No artigo, os cientistas consideram que a evolução observada na atmosfera de Plutão “é consistente com o aumento contínuo de pressão verificada desde 1988 (um factor de quase três entre 1988 e 2016)”. Resulta, explicam, “do aquecimento do gelo de azoto na Planície Sputnik [uma planície gelada situada no coração do planeta-anão] e nas latitudes médias do Hemisfério Norte, quando as áreas são expostas ao sol (logo após o equinócio da Primavera setentrional em 1989) e quando Plutão está perto do Sol”. O modelo relatado também prevê que a pressão atmosférica deverá atingir seu pico e cair nos próximos anos. Por isso, as observações da atmosfera de Plutão devem continuar através de mais análises de ocultações estelares baseadas no solo. “Infelizmente, à medida que Plutão se afasta do plano galáctico, tais ocultações tornar-se-ão mais raras e raras”, avisam.

 “A equipa de Pedro Machado contribuiu com duas observações realizadas a partir do Observatório do Centro Ciência Viva de Constância, e também com a sua experiência no processamento e análise dos dados”, refere o IA, sublinhado que o “grupo de observação de ocultações estelares já existe há quase seis anos”. E esta técnica usada para estudar a atmosfera dos objectos mais próximos de nós pode chegar mais longe. “Estamos a aprender na prática uma técnica similar à usada para detectar e caracterizar a atmosfera de exoplanetas. Há uma sinergia directa entre os estudos que estamos a fazer no [nosso] sistema solar e os estudos que o IA está a fazer, ou irá fazer, por exemplo, com a futura missão Ariel, da ESA, uma missão na qual nós lideramos um dos objectivos, que assenta precisamente nessa sinergia”, antecipa Pedro Machado.

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