Lei de Bases da Saúde e sustentabilidade do SNS

Será que alguma vez se deixará de falar na sustentabilidade do SNS? Provavelmente não! Mas será caso para se desistir? Nunca.

"Sustentabilidade é garantir que os recursos suficientes estarão disponíveis ao longo do tempo para prover acesso atempado a cuidados de saúde com qualidade e que respondam à evolução das necessidades das populações.”

Como profissional de saúde com mais de 30 anos de atividade clínica, sempre me lembro de ouvir falar de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). E desde sempre vi esse objetivo acima de governos e governações, de ideologias e de interesses, de políticos e de politiquices. Uma visão que não muda por agora desempenhar funções públicas. Muito menos pela proximidade de desafios eleitorais.

Não podemos falar de sustentabilidade do SNS sem termos como referencial a Constituição, nos seus desígnios de universalidade, generalidade e tendencial gratuitidade, e uma Lei de Bases da Saúde de princípios genéricos e orientadores que os afirmem.

Sustentabilidade política, porque uma nova Lei de Bases da Saúde não serve o país se estiver refém de ciclos políticos. Os portugueses precisam de um documento que defina os princípios e a matriz das políticas públicas em Saúde – o que significa que, mesmo sem um determinismo político rígido, deve refletir o dinamismo de um setor, olhando para os desafios do futuro a cada momento, como a transição demográfica, o papel do cuidador informal, mas também os determinantes sociais, o envelhecimento, a carga de doença, a investigação e inovação terapêutica e a sociedade digital.

Sustentabilidade económico-financeira, dado que a sustentabilidade política é também uma questão de escolhas e não pode ser separada da vertente financeira. E sobre isto algumas questões: existem situações de menor equidade para corrigir? É possível fazer melhor com os recursos utilizados? O financiamento encontra-se condicionado pela situação económica e financeira do passado e do futuro do país?

Entre 2011 e 2015, a despesa pública corrente em saúde per capita em Portugal contraiu 5,9% da média europeia, que nesse período teve um aumento de 14,4%. O baixo investimento trouxe repercussões cujo impacto demorará muitos anos a refazer. Apesar do reforço de financiamento já efetuado por este governo, reconhece-se o subfinanciamento a que o sistema está submetido e a necessidade de uma lei de meios para prever financiamento, sabendo que não será possível ir muito além dos 9% da despesa total em Saúde.

Sustentabilidade tecnológica e inovação, porque, sendo um setor muito exposto à inovação, a necessidade de acompanhamento da evolução é permanente, o que obriga a que a substituição tecnológica se faça de forma reprodutiva e eficiente. O desempenho do SNS tem a ver com eficiência, organização e gestão, bem como com a qualidade de serviço prestado, que se traduz para o cidadão em pertinência, tempestividade e prontidão na obtenção de cuidados e resultados em saúde.

Sustentabilidade demográfica e social, visto a alteração do paradigma demográfico, que faz com que vivamos mais anos e o procuremos fazer com melhor qualidade vida, aliado ao avanço tecnológico que dia após dia proporciona avanços cada vez mais caros, bem como o aumento de carga de doença crónica, levanta-nos um problema real de sustentabilidade do sistema. O índice de envelhecimento e de dependência de idosos é o maior de sempre. Entre 2011 e 2015 verificou-se um decréscimo de 134.000 jovens e de 262 mil pessoas em idade ativa.

A ambição que temos de assegurar um SNS com tão elevadas exigências suscita permanentes e inevitáveis questões. Será que alguma vez se deixará de falar na sustentabilidade do SNS? Provavelmente não! Mas será caso para se desistir? Nunca.

De facto, só faz sentido deixar de falar de sustentabilidade do SNS quando o SNS não existir, porque nessa ocasião a responsabilidade deixaria de ser solidária e passaria a ser individual, deixando as classes sociais mais vulneráveis expostas ao desafio da iniquidade. Tal hipótese poderia não ser uma perda irreparável para todos os políticos ou para todos os profissionais de saúde, mas sê-lo-ia decerto para a esmagadora maioria dos portugueses. Por isso, a Lei de Bases da Saúde deve constituir um fator de afirmação do desígnio constitucional, mas sem iludir, comprometer ou restringir soluções que possam contribuir para garantir a sustentabilidade do SNS.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico 

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