Robots, dominadoras e bimbofication: a PC Erotic é a revista porno do futuro (e do hoje)

São “duas partes instintivas da nossa vida”: a tecnologia e a sexualidade. Íris Luz juntou-as e criou uma revista. A PC Erotic quer celebrar novas realidades e desmistificar preconceitos — fá-lo com recurso a uma estética analógica e explorando temas que a Internet já está a fazer nascer.

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Tentacular bimbofication é um dos temas da revista Inês Fernandes

O que fizeste às tuas revistas pornográficas com o aparecimento da Internet? Provavelmente deitaste-as fora — ou esqueceste-te que existiam e a tua mãe tratou de livrar-se delas. Seja qual das opções for, com certeza nunca viste nenhuma como esta: a PC Erotic é uma mistura entre a inovação tecnológica dos dias de hoje e estéticas que remontam ao início de século XXI (lembras-te do WordArt?). Folheá-la é quase como entrar numa máquina do tempo e revisitar as janelas que abríamos no nosso computador na altura em que descobrimos os sites para adultos.

Quem nos recebe na capa é Maria Forqué — ou uma versão dela — que algumas páginas à frente nos faz sentir “blexed” (junção das palavras bless — abençoar e sex — sexo). A artista espanhola, de pseudónimo Virgen María, surge como um avatar bimbofied — ou, por outras palavras, como um robot hipersexualizado com três braços, olhos azuis, brilhantes e sem pupila, e uma tatuagem ao fundo das costas, popularmente conhecida como tramp stamp. Nada que nos deva assustar ou fazer pensar que vivemos uma revolução sexual que lança a interacção entre humanos para segundo plano, garante a criadora, a portuguesa Íris Luz, que trabalha como gestora das redes sociais da revista Dazed Beauty. Da mesma forma que “quem adora livros em papel vai sempre comprar livros em papel”, quem se sente atraído por personagens virtuais “sempre teve a necessidade” de as procurar, explica, em declarações por email ao P3. “O nosso medo de que as máquinas nos vão substituir é absurdo.”

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A capa da PC Erotic Inês Fernandes

Foi o “escândalo do Backpage” — site de anúncios sexuais denunciado por permitir e encorajar os utilizadores a publicitar anúncios de prostituição e tráfico humano — que deu o empurrão que Íris precisou para fazer nascer, em Novembro de 2018, a PC Erotic. Afinal, a sexualidade e tecnologia são “duas partes instintivas da nossa vida”, agora que “chegamos ao nível de nativos”. É preciso, por isso, “abrir um diálogo honesto sobre como interagimos através da tecnologia, sem preconceitos”, pensou. Como? Precisamente “através da indústria que mais preconceitos tem: a do sexo”.

Carregada de cores berrantes, animes e outros elementos comummente utilizados no movimento vaporwave, a revista veio para celebrar e desmistificar “a forma como abordamos a sexualidade” depois da “introdução da Internet e das redes sociais”. Da bimbofication (já lá vamos) à criação de avatares (ícones virtuais), de mukbangs (vídeos de pessoas a comer em grandes quantidades) à bio-hacking beauty (processo de hackear a própria biologia e, com a ajuda da tecnologia, optimizar o corpo), a PC Erotic “é a voz da esperança que confronta a nossa negatividade em relação à tecnologia”. Alguns dos temas abordados na revista “já eram explorados no início do século XXI, mas tratados como ficção científica” e estão agora a materializar-se; outros, novos, querem “simbolizar o facto de já estarmos a criar memórias no mundo da Internet”.

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Virgen María como avatar "bimbofied" Inês Fernandes

Robots e máquinas com tesão, drones que matam (a vibe), uma professora sexy que dá dicas de cibersegurança (enquanto usa e abusa de dirty talking): cenários reais ou não, apresentados com sentido de humor, “mas com informação suficiente para as pessoas formarem a sua opinião sobre o assunto”. A entrevista a Mistress Harley, dominatrix tecnológica, mostra como o subordinado perde o controlo do seu computador e contas, que passam a ser vigiadas e administradas pela dominadora. É paga para controlar os clientes — ou simplesmente para que eles tenham alguém a quem servir: “Um cliente com o qual nunca falo envia-me 1200 dólares por mês”, conta a dominadora na revista. 

Íris nasceu em Londres, onde agora voltou a viver, mas passou parte da adolescência em Lisboa. Sempre se sentiu fascinada pela Internet, o que lhe permitiu “ficar conectada com a cultura” britânica que deixou para trás quando se mudou para Portugal: chama-lhe “fonte infinita de criação de informação democrática”. A primeira vez que “googlou” pornografia foi para procurar nudes de Vanessa Hudgens e colá-la no cacifo de um colega. O seu “ícone de beleza” é Cicciolina, precisamente por encarnar o ideal da bimbofication, um dos principais temas da revista.

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Íris Luz é a editora da PC Erotic DR

Se o termo “bimbo” é geralmente utilizado para caracterizar alguém desinteressante intelectualmente, no mundo da Internet (e no de Íris) a bimbofication é o processo de transformação de pessoas em caricaturas hipersexualizadas, normalmente através do exagero de alguns atributos físicos, como os lábios ou os seios. Como Cicciolina fez na vida real. O que, para Íris, “não reduz as suas opiniões e acções públicas” — esta transformação “deixou de ser uma forma de simplificar a mulher” e passou a “empoderar as pessoas que no passado eram vítimas”. Misoginia ou fetiche inofensivo? Para Íris, não há dúvidas: “É como qualquer outro ideal de beleza. E toda a gente tem um.” Na revista, piscando o olho ao hentai, dedica quatro páginas à tentacular bimbofication: pornografia tradicional com um cheirinho de fantasia, horror e ficção científica (bem como alguns tentáculos).

Cada vez mais acessível a todos, a tecnologia é, para a jovem, “uma força positiva” e facilitadora de comunicação nas relações interpessoais. É “um reflexo de nós próprios”, com uma particularidade: “Tudo é arquivado e publicado.” “Seja pelos memes que partilhamos, a pornografia que vemos ou as danças virais idiotas que aprendemos, tentamos deixar a nossa presença egocêntrica e sentido de permanência, tanto na Internet quanto na vida real”, conclui Íris, numa nota escrita aos leitores da revista.

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Inês Fernandes

O primeiro número da PC Erotic está à venda online (claro) e custa 4,95 libras (aproximadamente 6 euros). A próxima deverá sair este mês. Duas vezes por ano, a revista vai cruzar tecnologia e sexo — e mostrar a panóplia de possibilidades que a Internet abriu (e vai continuar a abrir). Ou, pelas palavras de Íris, “how far we've cum!

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