Brunei suspende execuções por sexo gay, mas mantém pena de morte

Numa rara declaração ao país, o sultão admite que a entrada em vigor da lei islâmica “levantou questões” mas acredita que o mundo acabará por perceber os seus “méritos”. Pressão internacional com boicote a hotéis e ao turismo terá sido fundamental.

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O sultão Hassanal Bolkiah frisou que a pena de morte já não é aplicada desde 1957 Reuters/David Gray

O Brunei anunciou esta segunda-feira que vai suspender a execução dos homossexuais que forem condenados à morte por sexo gay. A decisão chega ao fim de um mês de contestação internacional, liderada por figuras como o actor George Clooney e o cantor Elton John, com ameaças de boicote a hotéis de luxo e à propaganda do turismo no pequeno reino do Sudeste asiático.

Num raro discurso ao país, o sultão Hassanal Bolkiah sublinhou que nenhum condenado à morte é executado desde 1957 por crimes previstos no código penal comum, no âmbito de uma moratória que será agora estendida aos cidadãos que forem julgados de acordo com a sharia (a lei islâmica).

Em causa está a entrada em vigor de um segundo código penal, em Abril, que funciona em paralelo ao sistema mais comum e é essencialmente dirigido aos muçulmanos do Brunei, que constituem dois terços da população de 428 mil habitantes.

A pena de morte já estava prevista para casos como homicídio premeditado ou tráfico de drogas, mas a partir de Abril foi alargada à prática de sexo gay, adultério, violação, roubo (com uso ou ameaça de força) e insulto ou difamação do profeta Maomé.

A homossexualidade já era ilegal antes da entrada em vigor da lei islâmica, e punível com um máximo de dez anos de prisão, mas a partir de agora os acusados poderiam ser apedrejados até à morte.

Ao anunciar a decisão de suspender as execuções, o sultão do Brunei admitiu que as novas leis suscitaram “muitas questões e equívocos”, mas disse que os seus “méritos” vão acabar por ser reconhecidos.

Numa carta enviada ao Parlamento Europeu há duas semanas, a missão permanente do Brunei nas Nações Unidas disse que a sharia “concentra-se mais na prevenção do que na punição, uma vez que o seu objectivo é educar, deter, reabilitar e nutrir”.

“Não criminaliza nem tem qualquer intenção de vitimizar alguém com base na sua orientação sexual ou crença, incluindo relações entre o mesmo sexo. A criminalização do adultério e da sodomia é para salvaguardar a santidade da linhagem familiar e do casamento de muçulmanos individuais, especialmente as mulheres.”

Na sua declaração, esta segunda-feira, o sultão Hassanal Bolkiah disse que a sharia “é fundamental para a protecção da moralidade e da decência do país, bem como para a privacidade dos indivíduos”. E frisou que, de qualquer forma, as execuções seriam sempre raras – segundo a sharia, uma condenação à morte por apedrejamento só seria possível se a prática tivesse sido testemunhada por quatro homens “de grande virtude moral”.

Activistas exigem mais

Em reacção à moratória anunciada pelo sultão, o grupo australiano de defesa dos direitos humanos The Brunei Project disse que “parece ser uma boa notícia, numa primeira leitura”. “Mas o facto de estas leis não serem revogadas ainda nos preocupa”, disse o fundador do grupo, Matthew Woolfe, à agência Reuters. “Nada impede o Governo do Brunei de levantar a moratória a qualquer altura.”

A Human Rights Watch vai mais longe e diz que “toda a lei islâmica deve ser revogada, porque é uma monstruosidade reminiscente de um passado medieval que já não tem lugar na era moderna”.

Apesar da moratória, o novo código penal continua a prever a aplicação de multas, castigos corporais e penas de prisão para a prática de sexo gay, e amputação de membros para condenados por roubo.

Mas a mudança em relação às execuções foi recebida com optimismo por outros grupos de defesa dos direitos humanos, como a rede da ASEAN para a defesa da orientação sexual e da identidade e expressão de género. O coordenador, o filipino Ryan Silverio, disse à Reuters que a declaração do sultão “abre uma janela para o diálogo”.

“A pressão económica e política deve ser complementada com um diálogo significativo com o Governo [do Brunei] e, mais importante do que isso, com o povo do Brunei. Devemos promover no Brunei uma sharia assente em interpretações e práticas progressistas e baseadas nos direitos humanos”, disse o responsável.

A entrada em vigor da sharia no Brunei foi condenada pelas Nações Unidas e levou várias celebridades internacionais e grupos de defesa dos direitos humanos a mobilizarem-se. Desde então, várias empresas multinacionais boicotaram os hotéis de luxo detidos pelo sultão em Londres e Los Angeles, e algumas agências de viagens suspenderam a promoção do Brunei como um destino turístico.

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