Bravo, António Costa!

António Costa sentiu que chegara o momento de soltar o seu grito do Ipiranga, fosse qual fosse o preço a pagar por isso

Por mais improvável que fosse, uma inédita conjugação dos astros permitiu a António Costa fazer a mais inspirada e audaciosa performance política da sua carreira como primeiro-ministro – o que foi aliás reconhecido por comentadores das mais diversas tendências, numa convergência quase sem precedentes. É certo, Costa não tinha alternativa entre tomar a posição que tomou ou ficar refém irrelevante da mais oportunista “coligação negativa” de que há memória recente na democracia portuguesa. Mas a forma como soube representar essa posição, com gravidade e elevação dignas de um verdadeiro estadista, terá sido porventura inesperada da parte de um político que tantas vezes exagera nos golpes de habilidade e ilusionismo táctico em detrimento das questões de princípio e coerência estratégica. 

Essa reputação de Costa terá aliás contribuído para o estrondoso – senão infantil – erro de cálculo que levou a direita e a esquerda parlamentares a se coligarem para colocar o PS entre a espada e a parede. Só que não foi preciso Costa ponderar demasiado – mesmo se eventualmente pressionado pela atitude irredutível de Centeno – para perceber que estava em jogo a sua credibilidade e até a sua sobrevivência política, não obstante a hipótese de pôr em risco a reedição da “geringonça”. Mas fará sentido uma nova “geringonça” se o seu preço for a abdicação do PS, convertido em mero instrumento dócil do PCP e do Bloco?

Colocado numa posição embaraçosa devido ao clamoroso erro de «casting» na escolha do cabeça de lista para as europeias e enredado numa série de dossiers que tem gerido de forma errática – o último dos quais é a Lei de Bases da Saúde – António Costa sentiu que chegara o momento de soltar o seu grito do Ipiranga, fosse qual fosse o preço a pagar por isso. Ora, tendo em conta pelo menos as primeiras reacções, o mais provável é ter conquistado um espaço de respiração e respeitabilidade política que talvez lhe permita voltar a sonhar com o horizonte da maioria absoluta nas legislativas (especialmente se forem antecipadas para Julho).

Posto isto, não seria justo os professores reaverem a plenitude dos seus direitos sacrificados durante os malfadados tempos da austeridade? Só que, como temos visto nos últimos dias, as reivindicações de um sector da função pública constituem uma imparável bola de neve, sucessivamente engrossada por todos os outros sectores que se julgam, justamente, devedores de idênticas reparações, até se chegar a um inevitável ponto de ruptura no equilíbrio das contas públicas, com todas as consequências calamitosas para a reputação e capacidade negocial do país a nível europeu. Além disso, cavar-se-ia um fosso ainda maior entre a “república dos funcionários”, sob protecção do Estado, e os assalariados do sector privado – sem a capacidade reivindicativa e as defesas corporativas dos trabalhadores da esfera pública.

Outro argumento, muito querido do Bloco, é a gritante injustiça na repartição dos recursos do Estado e a sua captura pela Banca (insolvente ou com devedores privilegiados e crónicos). Mas se a questão é moralmente justa, ela não serve para “cobrir” os encargos permanentes das reivindicações imparáveis do funcionalismo público. Aliás, o que talvez mais falta faz ao país é uma avaliação rigorosa de como é produzida e distribuída a riqueza nacional, para além dos cálculos demagógicos dos clientelismos partidários.

PS – Na crónica da semana passada, um lapso lamentável fez-me atribuir ao Ciudadanos o primeiro lugar num referendo sobre a independência da Catalunha, quando deveria ter-me referido às eleições autonómicas catalãs de 2017. As minhas desculpas aos leitores.

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