Como se fala e escreve hodiernamente — do triunfo do portinglês e do ubíquo “tipo”

O Português já não pede uma opinião, um comentário, uma apreciação — agora debita incessantemente: “Dá-me o teu feedback.”

A malta já não combina encontrar-se num determinado lugar, local, sítio. A malta, tipo, combina num spot. Tipo, é mais cool. Num spot, o mood é outro.

O Português já não pede uma opinião, um comentário, uma apreciação, reacção ou retorno — agora debita incessantemente: “Dá-me o teu feedback.”

Os trabalhadores independentes ou por conta própria parecem ter desaparecido — restam freelancers.

Acabaram-se as rábulas — há sketches. Tipo, já não está moda. Que digo?! Já não é trendy.

O “público-alvo” é para totós. O target vassourou-o, tornando-nos mais cosmopolitas. Qual público-alvo, qual mercado-alvo, quais destinatários. Mesmo quando alguém tem um determinado objectivo, não raro, diz que tem um determinado target. “O meu target para este ano é vender tipo quinze casas. E ‘tou cá com um feeling de que ainda chego tipo às vinte.”

Os desportistas não têm um bom ou mau desempenho, começam a não ter sequer uma boa ou má exibição; têm crescentemente uma boa ou má performance. Sucede o mesmo com os músicos nos concertos — qual boa ou má actuação... tipo boa ou má performance. Até os políticos nos debates e as próprias empresas são avaliados pela sua performance. Verdadeiramente importante é que os políticos e os trabalhadores (tipo, “os activos”) das empresas tenham skills e know-how, de modo que haja um boom no output e os CEO, tipo, evitem os downsizings, ou que, pelo menos, tipo, haja um delay nos downsizings e o staff se vá mantendo. [1]

Trabalho “a tempo inteiro” e “a tempo parcial”? Part-time e full-time, caramba.

A sobredosagem (de medicamentos, de informação, de futebol, de tudo) morreu. É oficial. Hoje, só há lugar para a overdose.

Já ninguém age com discrição ou procura passar despercebido ou é desprovido de magnetismo: cabe tudo no grande e impreciso chapéu do low-profile.

Os especialistas e os peritos tendem a ser substituídos pelos experts.

Prospectos? Folhetos? Panfletos? Desdobráveis? (Que não significam exactamente o mesmo.) Flyers!

Boletins informativos? Newsletters!

Padrão? Modelo? Norma? Nível? Standard, standard, standard, standard. Até já usamos “estandardizar” com naturalidade, ora essa.

À boca da baliza, alguém falha uma oportunidade? Claro que não. Falha ou desperdiça a chance (oriunda do francês, mas largamente disseminada por via do inglês).

Contratação externa? Recrutamento externo? Externalização? Subcontratação (de serviços)? Outsourcing e mai’ nada!

Oficinas, oficinas de formação, oficinas experimentais, seminários, formações, sessões de trabalho, cursos, cursos práticos — tudo isso para quê? Workshops, senhores!

Pagamentos em dinheiro (vivo)? Pagamentos em numerário? Pagamentos em cash!

Já ouviu falar da ilicitude das vendas com prejuízo? Ah, ah, ah. (Hoje, terá de ser em inglês: ha ha ha ou lol lol lol — ou uma série de bonecos a rir.) Que é isso? Dumping. Ah!, em inglês nos entendemos.

“Ei” — que é isso? (Uma forma de chamar, cumprimentar, mas que também pode ser usada com os sentidos de “Alto lá!”, “Alto aí!”, “Tem calma”, “Sossega”.) Só admissível (e reconhecível?) em inglês: hey. “Ups?” Só em inglês também: oops.

Piratas informáticos? Hackers, por favor.

Passatempos? Hobbies! 

Senhas? Passwords!

Aspecto? Visual? Aparência? Imagem? Look!

Disposição? Configuração? Formato? Estrutura? Desenho? Modelo? Esquema? Esquisso? Esboço? Bosquejo? Rascunho? Layout e draft dispensam essas e muitas outras. Há matizes quanto ao significado de ambas? Who cares?

Hiato? Fosso? Pára, pára: gap.

Subestimado, sobrestimado, subvalorizado, sobrevalorizado — quem é tão tolo que ainda caia numa dessas? Underrated e overrated.

“Autofotografia”? “Autofoto”, que tem menos sílabas? NUNCA. Mas estão dicionarizadas. Whatever, selfies forever.

Mentalidade, pensamento, lógica, raciocínio? Ainda não deu conta do mindset? Vá-se actualizando... vá, tipo, fazendo uns updates.

[1] Citando Ricardo Araújo Pereira, da crónica “Anestesia Linguística”, da Visão, “[toda a gente se sente] habilitada a contestar os despedimentos impostos por um patrão, mas ninguém se atreva a criticar um downsizing determinado por um CEO”

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