Peneda-Gerês: sem chão debaixo dos pés?

A paisagem como património, identidade, activo económico e instrumento de coesão é abandonada nesta opção de exploração mineira transitória e de alcance duvidoso – e o país poderá ferir profundamente o seu único Parque Nacional.

Transformar o monte ermo em solo agricultável é gesto primordial de ordenamento do território. A construção de paisagem é obra do homem, fruto da sua relação com as condicionantes e as oportunidades do meio físico, num diálogo ora silencioso, ora aparatoso. Ciente da escassez dos recursos, o homem construiu um lugar habitável e produtivo, garante do seu sustento. Este gesto importa um legado inter-geracional, de dimensão material e imaterial, do qual o homem deve estar também ciente.

A construção da paisagem é trabalho de sucessivas gerações que, arreigadas a um espaço confinado, estruturaram o seu habitat, gradualmente, no ritmo cíclico das estações do ano. Como afirma Ribeiro Telles, “cada geração tem uma parcela relativamente pequena” nessa transformação; contudo, em certos momentos marcantes, assistimos a processos em que o tempo parece acelerar, e o papel de determinada geração parece amplificar-se.

Assim foi com os que trouxeram o milho “maiz” das Américas, operando uma revolução paisagística – num curto espaço de tempo, nas ondulantes encostas de vales e montanhas, construíram-se socalcos e levadas, que permitiram a nova cultura de regadio. 

Assim também com algumas intervenções do Estado Novo: pela florestação dos baldios, que ditou uma profunda transformação nos modelos de pastoreio, e pela construção de aproveitamentos hidroeléctricos – que transformaram o perfil dos rios, e submergiram veigas e aldeias.

Por fim, foi também esse o papel da emigração neste território – falou-se muito das casas dos emigrantes; mas estes importam sobretudo pelo seu papel de agentes de transformação da paisagem, pelos efeitos da sua ausência. Com o despovoamento, desaparecem os agricultores e os pastores, com reflexo na degradação e abandono das áreas de cultivo, e no correspondente avanço das zonas arborizadas, no desaparecimento de elementos construtivos – em suma, na perda de diversidade paisagística.

A transformação das paisagens resulta pois de questões demográficas, económicas e, em último caso, tecnológicas. 

A Conservação da Natureza (sobretudo, após a criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês) e o Turismo foram, ao longo das últimas décadas, as ideias-chave para recuperar um território em perda de residentes e de dinâmicas. A conservação das espécies, dos valores naturais, dos aspectos pictóricos da paisagem, a sacralização e classificação de lugares, foram vistos amiúde como uma imposição, noutros casos, como conceitos agregadores de divergências, ou ainda geradores de recursos.

A abertura à exploração dos recursos minerais é apresentada, agora, como panaceia para dinâmicas demográficas e económicas profundamente negativas. Para lá da linha que delimita o PNPG, logo do outro lado da estrada, (quase) tudo parece ser possível. A prospecção está aí e, em alguns casos, prestes a passar à fase de extracção – o lítio é apresentado como novo desígnio nacional, capaz de fazer regressar emigrantes e repovoar aldeias. Fala-se pouco ou nada dos efeitos negativos e irreversíveis da mineração no meio ambiente, nas rupturas na componente identitária, visual e sensorial do território, na irreversibilidade do dano.

A paisagem como património, identidade, activo económico e instrumento de coesão é abandonada nesta opção de exploração mineira transitória e de alcance duvidoso – e o país poderá ferir profundamente o seu único Parque Nacional, último reduto de uma paisagem perene, chão comum, bem global, maior que o país. Qual é o preço? Podemos pagá-lo?

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