Gigante australiano desiste de procurar lítio no Alto Minho

Fortescue diz que leva muito a sério a consulta pública em Portugal e vai fazer alterações nas duas dezenas de pedidos que fez. Governo diz que ainda nada está atribuído e que é na consulta pública que as pessoas se devem pronunciar.

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adriano miranda

A publicitação dos pedidos de prospecção e pesquisa que a Fortescue fez para avançar com a exploração de lítio em Portugal já começaram a surtir efeitos. A empresa australiana comunicou à Direcção-Geral de Energia e Geologia que pretende retirar o pedido que havia efectuado para a chamada área “Fojo”, que abrange os concelhos de Monção, Melgaço e Arcos de Valdevez, no distrito de Viana do Castelo. 

Tal como o PÚBLICO noticiou, a Fortescue fez entrar nos serviços da DGEG 22 pedidos de prospecção e pesquisa para a exploração de vários minérios numa vasta extensão do território nacional. Porém, ainda não foram todos publicados em Diário da República e, para já, a empresa diz que está empenhada em participar na consulta pública destes processos.

Numa declaração enviada ao PÚBLICO, a CEO do Fortescue Metals Group, Elizabeth Gaines, disse que a empresa vai fazer alterações em vários pedidos, sem se referir a desistências. “A Fortescue submeteu um conjunto de pedidos de prospecção e pesquisa em Portugal e acompanha atentamente a sua evolução, incluindo a participação no processo de consulta pública. Na sequência de uma análise mais aprofundada, avançámos com uma revisão das áreas requeridas e alterámos uma série de pedidos de acordo com essa análise”, escreveu Elizabeth Gaines.

Num requerimento que deu entrada a 30 de Abril, a empresa pediu que fosse retirada dos serviços da DGEG todo a informação geoespacial referente ao Aviso n.º 4722/2019, no qual requeria “a atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de depósitos minerais de ouro, prata, chumbo, zinco cobre, lítio, tungsténio, estanho e outros depósitos minerais ferrosos e minerais metálicos associados”, numa área que totalizava quase 75 quilómetros quadrados.

O pedido foi feito em Fevereiro, e publicado em Diário da República a 20 de Março. Rapidamente se começou a gerar uma onda de contestação, tendo as três autarquias envolvidas apresentado uma posição conjunta junto da DGEG, exigindo o indeferimento do pedido da empresa australiana. E também a sociedade se começou a mobilizar, tendo sido criado o movimento cívico “Em Defesa das Serras da Peneda e do Soajo”, que chegou a agendar para dia 12 de Maio uma caminhada de contestação. 

Os primeiros a reagir à desistência da Fortescue foram os presidentes das Câmaras envolvidas. À Lusa, o presidente da câmara de Melgaço, Manoel Batista, disse que os autarcas receberam com “absoluta satisfação a confirmação de que a empresa tinha desistido do pedido. “Percebendo as movimentações da população e a reacção concertada das autarquias, [a Fortescue] tirou as devidas conclusões que não tinha condições nenhumas, sequer, para fazer prospecção e muito menos para depois fazer exploração”. Para o presidente da Câmara de Monção, António Barbosa, a empresa australiana demonstrou “bom senso”. “Esta desistência mostra que a empresa tem um grande respeito pelas populações. Mostra também que é uma grande vitória do território que vive cada vez mais da exploração da terra, no caso de Monção em particular do Alvarinho, permitindo-nos um futuro risonho”, afirmou o autarca social-democrata à Lusa. O presidente da Câmara de Arcos de Valdevez, pelo seu lado, e depois de se manifestar “muito satisfeito” pelo facto de a empresa “ter reconhecido que aquele não era o local indicado para fazer prospecção” de minerais, acrescentou que pretendia continuar atento. “A guarda tem que estar sempre montada, porque não se sabe o que pode vir a seguir”, disse João Manuel Esteves.

"Uma bizarria"

Em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, considerou ser uma “bizarria”, o facto de as pessoas interpretarem uma publicitação de um pedido, “que é feito para elas se defenderem e se poderem pronunciar como se fosse o oposto”. “As pessoas estão a interpretar estes pedidos como se as áreas já estivessem atribuídas. O Governo ainda não atribuiu nada, nem teve qualquer intervenção neste processo até agora”, afirmou Galamba.

Questionado sobre se tinha conhecimento do numero de reclamações entradas e da intenção da Fortescue de fazer alterações aos pedidos, João Galamba disse que “não sabia de nada”. “Nem tinha de saber. Esse é um processo administrativo, que está a ter o seu curso”, concluiu.

A Fortescue é a quarta maior produtora mundial de ferro, mas não tem grande experiência na refinação de lítio, o minério que tem estado sob intenso interesse e procura, alavancado pelo anunciado crescimento da mobilidade eléctrica. Desde que chegou a Portugal, e abriu escritórios na sede do gabinete de advogados do ex-ministro da Defesa, José Pedro Aguiar Branco, a Fortescue tem montado a sua estratégia assumindo claramente o interesse em participar no concurso público que o Governo já anunciou para concessionar a exploração de lítio nas áreas que foram identificadas como estratégicas. 

E ainda antes de os concursos serem lançados, a empresa tem andado pelo país a reunir com autarcas e a preparar os pedidos que lhe pudessem dar autorização para avançar com trabalhos de prospecção e pesquisa de vários minérios - e não apenas de lítio.

A fase de prospecção e pesquisa - e que antecede sempre os contratos de exploração - implicam também investimento de alguma dimensão. Os investimentos mais avultados têm a ver com a necessidade de fazer sondagens e recolher amostras dos solos para fazer testes minero-metalúrgicos. Mas há fases de prospecção que são feitas apenas através de fotografias e amostras colhidas à superfície. Até agora, a Fortescue ainda não avançou com os montantes de investimento que pretende fazer, caso lhe sejam atribuídos esses pedidos. “Como uma empresa líder no sector mineiro, com um conhecimento de extracção mineira de excelência a nível mundial e um reconhecido histórico no que concerne à responsabilidade ambiental e em garantir que as comunidades locais beneficiam com as nossas operações, aguardamos com expectativa o progresso dos nossos pedidos de Prospecção e Pesquisa em Portugal”, concluiu a presidente do Grupo.

Actualmente há duas concessões que têm direitos de prospecção, pesquisa e exploração de lítio atribuídos. É o caso da concessão de Montalegre, a mina “Romano”, que foi assinada com a portuguesa Lusorecursos já pelo actual executivo - ainda esta semana o primeiro ministro foi confrontado com o facto de ter assinado o contrato de exploração sem declaração ambiental, e com empresários que são suspeitos de fraudes com fundos comunitários. O outro caso é a concessão de Boticas, cuja propriedade é agora detida integralmente pela Savannah Resources  e cuja progressão tem sido muito contestada pela população .

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