Fim de empresa de diamantes em Angola dá mais 8,3 milhões a Portugal

Está concluído o processo de liquidação da SPE, empresa da qual a Parpública era accionista. Gestora de participações do Estado português teve lucro de 70 milhões no ano passado, menos de metade do ano anterior.

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O envolvimento directo português na actividade diamantífera durou mais de um século Olivia Harris/Reuters

A Parpública, a sociedade gestora de participações sociais do Estado português em várias empresas, conseguiu mais 8,3 milhões de euros com a conclusão do processo de liquidação da Sociedade Portuguesa de Empreendimentos (SPE), empresa dedicada à exploração de diamantes em Angola, da qual a Parpública era a accionista maioritária. É o fim de um ciclo de um século no envolvimento directo na actividade diamantífera. Em 2017, o grupo já tinha recebido em dividendos da SPE mais de 60 milhões.

O processo de liquidação está concluído e permitiu entregar aos accionistas um saldo de liquidação de 10,2 milhões de euros. Deste montante coube à Parpública cerca de 8,3 milhões, por causa dos 81,14% da participação do Estado português. A informação foi confirmada no relatório financeiro de 2018, divulgado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) na última quarta-feira.

Além do Estado português, a SPE tinha muitos pequenos accionistas privados, aos quais coube a restante fatia de 1,9 milhões de euros do saldo de liquidação. São mais de 4000 os accionistas, mas, tal como o PÚBLICO noticiou há um ano, a empresa não conseguiu encontrar todos os pequenos investidores, o que obriga a guardar os valores durante um determinado prazo.

A SPE foi criada em 1979, depois da independência de Angola, a partir dos activos de uma empresa que existia desde 1917, a Companhia de Diamantes de Angola (Diamang). E entre o universo indeterminado de accionistas estarão pessoas envolvidas em heranças partilhadas dos títulos da empresa que desconhecem terem agora dinheiro a receber.

No relatório agora divulgado, a Parpública confirma que durante o processo de liquidação, “apesar das diversas diligências efectuadas pelo administrador liquidatário, alguns dos accionistas não se apresentaram para receber os valores a que têm direito”. Ao todo há cerca de 600 mil euros por entregar, montante que a empresa diz estar “confiado, como a lei determina, à guarda do Tribunal Cível de Lisboa”. É aqui que os accionistas desconhecidos terão de se dirigir até 2023 para reclamar algum valor a que têm direito, se souberem ser herdeiros de uma participação na SPE.

Há um ano, o PÚBLICO fazia o retrato de Ana Paula Paixão, uma dessas pequenas accionistas que estavam então a tratar das burocracias para poder receber dividendos da SPE por causa da herança das 558 acções que o pai lhe deixara a si e aos seus sete irmãos. O caso é curioso, porque, contou então, Paixão e os irmãos sabiam da existência dessas acções, mas não a empresa em causa. Foi um dos irmãos que, estando radicado em Angola, onde Ana Paula Paixão nascera, acabou por dar o alerta, depois de saber por uma advogada local que a SPE estava a pagar dividendos, escrevia o PÚBLICO em Abril de 2018.

Com a conclusão do processo de liquidação, o fim da Sociedade Portuguesa de Empreendimentos tem um lado histórico. Significa, lembra a Parpública, “o fim da intervenção directa lusa na actividade diamantífera, que durou mais de um século, tendo assumido expressão de particular relevo através da acção da Diamang, empresa criada em 1917, que viria a ser uma das cinco maiores produtoras de diamantes do mundo”.

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, arguido no processo da Operação Marquês, era um dos accionistas privados da SPE, uma herança da posição dos Espírito Santo na Diamang durante o Estado Novo.

Parpública com menos lucro

Nas contas da Parpública, o resultado de 2017 tinha sido influenciado pela atribuição de um “dividendo extraordinário no montante de 62,5 milhões de euros” da SPE, depois de esta empresa ter vendido a Angola a participação que detinha na Sociedade Mineira do Lucapa (SML), para acabar com um conflito – um impacto que se reflecte agora, quando se comparam as contas de 2018.

A Parpública — com participações na TAP, na Galp, na Estamo, na Águas de Portugal ou na CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar — registou em 2018 lucros pelo segundo ano consecutivo, mas com um valor mais baixo do que no ano anterior. O grupo recebeu menos dividendos, registando um lucro de 70,4 milhões de euros, menos 55% do que em 2017, ano em que o resultado fora de 157,4 milhões.

A diminuição é explicada num comunicado, divulgado na terça-feira à noite, pelo “impacto de situações específicas”, entre as quais está o facto de ter recebido esse dividendo extraordinário no ano anterior.

Há mais dois impactos “significativos” que a Parpública identifica: a variação da cotação da Galp, na qual o Estado tem uma participação de 7,48% e que em 2017 “havia contribuído com 70,7 milhões para os resultados” de 157 milhões; e o efeito contabilístico da regularização da dívida do Estado, que gerou para a Parpública um prejuízo de 29 milhões de euros.

A soma destes efeitos representa um “um impacto negativo sobre o resultado de 2018” na ordem dos 163,5 milhões de euros e, vinca a empresa, “explica a redução do lucro da holding de 120,6 milhões de euros em 2017 para 49,6 milhões em 2018”. Em termos comparáveis, salienta a empresa, o lucro “registaria um aumento, o que confirma a validade da estratégia desenvolvida ao longo do ano”.

Para a Parpública, o pagamento de dividendos pelas participadas é a principal fonte de receita. A sociedade recebeu 73,7 milhões de euros no ano passado, montante que “é significativamente inferior ao recebido em 2017 (137,1 milhões de euros)”. E apesar da diminuição do valor da participação financeira na Galp, a Galp garantiu 35,7 milhões, um número recorde que compara com os dividendos de 30,6 milhões de 2017.

Se for “desconsiderado este dividendo extraordinário” concretizado em 2017, “o valor recebido em 2018 está em linha não só com o valor relativo a 2017, mas também com a média do triénio anterior 2014 – 2016”, afirma o grupo liderado por Miguel Campos Cruz, ex-presidente do IAPMEI (a agência pública para a competitividade e inovação).

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