No Respira!, o piano como pulmão a dar vida a toda a música

Entre 2 e 4 de Maio, passam pelo Theatro Circo, em Braga, Alfa Mist, Rami Khalifé, Lonnie Halley, Kathryn Joseph e Lubomyr Melnyk. Na terceira edição do festival, cinco pianistas compositores, cinco mundos diferentes.

Lubomir Melnyk regressa depois do cancelamento, por razões de saúde, em 2018
Fotogaleria
Lubomir Melnyk regressa depois do cancelamento, por razões de saúde, em 2018 DR
Lonnie Holley
Fotogaleria
Lonnie Holley Timothy Duffy
Kathryn Joseph
Fotogaleria
Kathryn Joseph Chris Leslie
Alfa Mist
Fotogaleria
Alfa Mist DR
Rami Khalifé
Fotogaleria
Rami Khalifé DR

Começou numa ideia simples mas de que, tanto quanto era do conhecimento dos responsáveis pelo Theatro Circo, em Braga, ninguém se tinha lembrado, em Portugal ou fora dele. Ter o piano como foco principal, mas o piano tocado por intérpretes que fossem também compositores. A ideia era esta e, em 2017, ganhou corpo de festival. Respira!, chamaram-lhe, e depois de, em anos anteriores, terem passado por Braga Wim Mertens, Rufus Wainwright ou James Rhodes, a terceira edição, entre 2 e 4 de Maio, far-se-á com o franco-libanês Rami Khalife, com os veteranos Lonnie Holley (norte-americano) e Lubomyr Melnyk (ucraniano-canadiano) e com a escocesa Kathryn Joseph. A abrir o festival, esta quinta-feira, 2 de Maio, estará Alfa Mist.

Não começou o seu percurso profissional enquanto pianista. Foi enquanto produtor de grime, a expressão musical britânica emanada do hip hop, nascida no século XXI, que Alfa Sekitokelo deu os primeiros passos. O seu lugar, porém, viria a encontrá-lo numa fértil e vibrante cena jazz em desenvolvimento em Inglaterra e que nos deu bandas como os Melt Yourself Down e figuras como Shakaba Hutchings. Poucos meses depois de passar pelo Caldas Nice Jazz'18, Alfa Mist terá honras de inaugurar o Respira! trazendo consigo Structuralism, o seu terceiro álbum, sucessor de Nocturne e Antiphone. Editado a 26 de Abril, encontra-o a aprofundar essa expressividade que, autodidacta, foi descobrindo ao percorrer as teclas do piano, deixando-se contaminar pelo jazz, pela soul e pelo funk, e incorporando no som que cria toda a muita música que respigava para samplagem enquanto produtor hip hop.

O festival chama-se Respira! em referência a Glenn Gould, o pianista das Goldberg Variations que Paulo Brandão, director artístico do Theatro Circo, ouvia nas gravações incluir, sem o tentar esconder, o peso da respiração exigido pela interpretação. Um som que, diz, “quase não sabemos se é do instrumento, se é do músico”. Foi pegando nessa ideia de simbiose entre o instrumento e o criador que nasceu um festival que “tem o piano como pulmão, como componente principal da vida de toda a música [apresentada]”. Isto, com a tónica na diversidade, na forma como, tendo o piano como ponto comum e determinante, sobressai “uma voz própria” em cada um dos compositores.

A programação do Respira! 2019 parece ilustrá-lo bem, chamando a si músicos de países, origens e contextos diferentes. Paulo Brandão acredita que a singularidade do festival é a sua força. Acredita também que a curiosidade do público, o desejo deste em ser surpreendido, atrairá muitos ao Theatro Circo. “Apesar de serem nomes fortes e reconhecidos no panorama internacional, são pouco conhecidos em Portugal, mas também por isso esperamos boas casas”, refere. As entradas para o festival custam 12€ (bilhete diário) e 20€ (passe geral).

Depois de Alfa Mist, a sala bracarense acolherá, sexta-feira, Rami Khalifé e Lonnie Holley. O primeiro, nascido em 1981 em Beirute e refugiado em Paris durante a guerra civil libanesa (tem actualmente cidadania francesa), emancipou-se da formação clássica e, nos Aufgang, explorou os pontos de contacto entre a electrónica e o universo da erudita. Começou também a revelar-se enquanto compositor e improvisador e aprofundou as suas raízes árabes ao juntar-se ao alaúde de Marcel Khalifé. Lost, em que se reúnem voz e piano, tradição europeia e médio-oriental, é o álbum mais recente e o mote para a estreia em Portugal.

Na mesma noite, sobe a palco Lonnie Halley, música e artista plástico de 66 anos e dono, enquanto pianista, de uma obra que o ergueu a reverenciada figura de culto. Música em transe, música que parece uma constante procura de sentido e transcendência, sendo jazz e blues em essência, mesmo que não assumindo as suas formas canónicas – algo comprovado em MITH, o álbum que editou em 2018. “O Rami e o Lonnie são diferentes, mas encontram-se de alguma forma”, defende Paulo Brandão. O mesmo poderia dizer dos músicos agrupados no dia seguinte.

No despedida do Respira!, sábado, 4 de Maio, cruzar-se-ão em palco a escocesa Kathryn Joseph, com as suas canções tocando o misticismo brumoso de Joanna Newson com a sensibilidade à flor da pele de Björk, e Lubomyr Melnyk, ucraniano nascido na Alemanha, emigrado na infância para o Canadá e acompanhante de companhias de dança na Paris da década de 1970, antes de se afirmar com o minimalismo torrencial a que chamou “música contínua”.

Kathryn Joseph faz o seu percurso nas proximidades da pop, vertente música independente, com ligações aos Twilight Sad ou aos Mogwai e, até ao momento, dois álbuns no currículo (“Bones You've Thrown Me and Blood I've Spilled, de 2015, e From When I Wake the Want Is, de 2018). Lubomyr Melnyk, que regressa pela terceira vez a Portugal, depois de visitas já esta década, é um pianista de 70 anos que começou a desenvolver uma linguagem em que se cruzam os ragas indianas, as lições de Steve Reich e a noção de liberdade nos gestos e na expressão emotiva que aprendeu acompanhando coreografias de dança. A sua editora, a Erased Tapes, chama-lhe “o profeta do piano” e editou-lhe o álbum mais recente, Fallen Trees, em Dezembro de 2018. Foi um dos nomes programados para a edição desse ano do festival, mas problemas de saúde obrigaram ao cancelamento. Agora, o regresso.

Cinco nomes para três dias. Cinco músicos totalmente diferentes entre si que, “no meio dessa diversidade musical e da procura de cada um, se encontram nesse elemento comum que é o piano e o facto de serem todos eles compositores”, resume Paulo Brandão.

Sugerir correcção
Comentar