Ministro da Defesa diz que inspecção à PJM confirma “falhas” no “dever de cooperação”

João Gomes Cravinho entende que seria “um mau serviço” estar a “redesenhar a arquitectura institucional” actual “em função de um caso”.

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João Gomes Cravinho Rui Gaudencio

Uma inspecção ordenada em Abril pelo ministro da Defesa confirmou “deficiências e falhas” no “dever de cooperação” por parte de pessoal da Polícia Judiciária Militar no caso de Tancos, revelou João Gomes Cravinho, em entrevista à agência Lusa.

João Gomes Cravinho, que vai ser ouvido na quinta-feira na comissão de inquérito sobre o furto de Tancos, disse à Lusa que pediu uma acção inspectiva à Inspecção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) “para verificar se houve alguma falha no relacionamento institucional estipulado entre a Polícia Judiciária Militar e a Polícia Judiciária” em específico no caso de Tancos.

Na sequência daquela inspecção, centrada no que se passou no dia em que foi anunciada a recuperação do material furtado, a 18 de Outubro, foi solicitado à PJM que reforce os mecanismos e estruturas de controlo interno.

De acordo com o ministro, o relatório da inspecção da IGDN aponta em particular falhas no “dever de cooperação leal entre as instituições e de respeito por aquilo que tinha sido estipulado pela anterior procuradora-geral da República [Joana Marques Vidal] em relação à titularidade do caso”.

“Essas orientações não foram seguidas. Temos de perceber quem tem responsabilidade por isso e tirar todas as consequências, seja do foro criminal que não compete ao Ministério da Defesa ou do foro disciplinar, que é uma competência dos ramos”, sustentou, adiantando que o relatório já foi enviado aos ramos militares.

O ministro sublinhou que o relatório da IGDN contém “aspectos que não estão ainda identificados na especificidade porque ainda estão sob segredo de justiça”.

Por essa razão, acrescentou, “nem todas as consequências podem ainda ser tiradas mas algumas conclusões já são evidentes, e houve neste caso uma falha naquilo que é a ordem institucional estabelecida”.

Na entrevista, o ministro da Defesa rejeitou que a existência de “falhas” em apenas “um caso” justifique por em causa a existência da própria Judiciária Militar, como defendeu, por exemplo, a ex-PGR Joana Marques Vidal.

O governante sublinhou que todos os anos a PJM “trata de centenas de casos” com um “relacionamento institucional que não oferece nenhum comentário”.

“Há um caso em que não funciona de acordo com aquilo que está estipulado e então temos de verificar quem tem responsabilidades, porque é que aconteceu, neste caso. Mas não faz sentido a partir de um caso desenvolver uma teoria sobre a existência ou não ou se deve ser alterado o relacionamento institucional entre a Polícia Judiciária e a Polícia Judiciária Militar”, defendeu.

Para Gomes Cravinho, seria até “um mau serviço” estar a “redesenhar a arquitectura institucional” actual “em função de um caso”.

Questionado sobre a advertência do actual director da PJM, Paulo Isabel, que afirmou na comissão de inquérito que “há crimes estritamente militares” relacionados com o caso de Tancos que não estão a ser investigados por a PJM ter sido afastada, Gomes Cravinho sublinhou que tem “total confiança” que a PJ “fará todo o trabalho que precisa de fazer”.

Em relação “àquilo que está actualmente na competência da PJ”, disse, o ministro da Defesa “tem total confiança que essa instituição fará todo o trabalho que precisa de fazer”, disse, acrescentando que “se sobrar alguma coisa posteriormente obviamente que isso terá de ser contemplado”.

O furto de material de guerra em Tancos foi divulgado pelo Exército a 29 de Junho de 2017. A 3 de Julho, a anterior PGR determinou que a titularidade da investigação passava da PJM para a PJ, ficando a Judiciária Militar como coadjuvante.

Em 18 de Outubro do mesmo ano, a PJM anunciou em comunicado a recuperação do material furtado, em colaboração com a GNR de Loulé, na região da Chamusca, numa operação que veio a ser investigada pela Polícia Judiciária, designada “Operação Húbris” e no âmbito da qual foram constituídos arguidos o ex-director da PJM Luís Neves e o ex-investigador Vasco Brazão, entre outros.

Na comissão de inquérito que visa apurar as consequências e responsabilidades políticas do furto do material militar de Tancos, o ex-director da PJ Luís Neves defendeu que o “achamento” e a operação de recuperação do material foi na realidade uma “encenação” e disse que a PJM obstaculizou a investigação cuja titularidade estava na esfera da PJ.

Dias depois de ser conhecida a Operação Húbris, o anterior ministro da Defesa, Azeredo Lopes, anunciou uma auditoria ao funcionamento da PJM, cujas conclusões não foram divulgadas pelo Ministério da Defesa por serem “classificadas”, segundo fonte do Ministério da Defesa.

Sobre o furto de Tancos e o impacto nas Forças Armadas, Gomes Cravinho defendeu que a sua função enquanto ministro “é assegurar que Tancos faz parte do passado e não do presente”.

“Enquanto ministro a minha obrigação não é de fazer análise ou reflexão sobre algo que é um facto histórico e que merecerá a atenção por longos anos de historiadores e analistas”, considerou.

“A minha primeira prioridade era olhar para o futuro, o que obriga naturalmente as Forças Armadas a tirarem todas as lições necessárias do ponto de vista funcional”, e “assim fizeram”.

Para o ministro da Defesa, “hoje em dia Tancos está onde tem de estar que é na esfera judicial e na esfera parlamentar com a comissão parlamentar de inquérito”.

“Não está nas Forças Armadas e hoje em dia é possível trabalhar nas Forças Armadas, Exército com total tranquilidade de espírito deixando que as investigações no Parlamento e na esfera judicial corram o seu caminho e cheguem às conclusões”, defendeu.

Questionado sobre eventuais “responsabilidades políticas” no caso de Tancos, Gomes Cravinho disse que caberá à comissão de inquérito identificá-las se as houver.

Contudo, sublinhou, “houve evidentemente questões estruturais e questões que foram conjunturais que levaram a Tancos”.

“A minha função é impedir que tal se repita e poder dar essa garantia aos portugueses. Tanto do ponto de vista conjuntural, estamos a falar de verbas afectadas à segurança, como do ponto de vista estrutural - sistemas montados para assegurar a salvaguarda missões e equipamento - que haja a resposta adequada e as Forças Armadas e os três ramos dão essa tranquilidade”, sustentou.

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