Superespião processou António Costa e perdeu

Silva Carvalho alega ter sido prejudicado no seu julgamento pela manutenção do segredo de Estado em certas matérias, mas juízes dizem que até pode ter saído beneficiado.

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Jorge Silva Carvalho Fabio Augusto

O ex-superespião Jorge Silva Carvalho perdeu uma acção que desencadeou contra o primeiro-ministro António Costa por este ter mantido sob segredo de Estado algumas matérias relacionadas com o processo judicial das secretas.

Hoje a dirigir uma empresa de consultoria, Silva Carvalho foi condenado em Novembro de 2016 a quatro anos e meio de pena suspensa, por ter mandado espiar a facturação detalhada do telemóvel do jornalista Nuno Simas e ainda por ter ter devassado a vida privada do patrão da Impresa, Francisco Pinto Balsemão. Ficou ainda provado que violou o segredo de Estado entre 2010 e 2011, quando usou o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, que dirigiu, para recolher informações para o grupo económico Ongoing, para o qual trabalhou após deixar as secretas.

Durante o julgamento o primeiro-ministro acedeu a levantar o segredo de Estado que impendia sobre determinados assuntos relacionados com os serviços de espionagem, mas não desclassificou todas as matérias requeridas pelo tribunal. O que fez com que os juízes não tenham conseguido apurar responsabilidades em relação a um dos crimes de que era suspeito o superespião: a entrega de informações confidenciais a uma jornalista sobre a reparação de quatro aviões líbios em Alverca em 2011, numa altura em que o Conselho de Segurança da ONU já tinha aprovado sanções contra o governo de Khadafi. 

Perante isto, Jorge Silva Carvalho desencadeou uma acção administrativa contra António Costa, alegando que o chefe do Governo violou a Constituição, porque a manutenção do segredo de Estado o impedia de se defender das acusações do Ministério Público. “Não se admite que, em nome do segredo de Estado, se prive um cidadão da sua liberdade, por não ter podido apresentar defesa no processo criminal em que foi condenado”, argumentava. O objectivo era obrigar António Costa a desclassificar todos os documentos secretos que considerava relevantes para se defender.

A justiça não lhe deu, porém, razão. Alegando que a recusa do levantamento do segredo de Estado até o pode ter favorecido, na medida em que pode ter dificultado o apuramento de crimes cometidos pelo superespião, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo assinalam que esta é uma situação sui generis, daquelas que raramente sucedem: um antigo dirigente das secretas a querer obrigar um primeiro-ministro a revelar documentos confidenciais. Referindo que neste tipo de matérias os poderes do chefe do Governo são praticamente absolutos – António Costa não estava obrigado a consultar ninguém para tomar uma decisão, embora na realidade o tenha feito ­–, consideram que Silva Carvalho não conseguiu demonstrar em que medida ficou prejudicado por António Costa não ter levantado na íntegra o segredo de Estado.

“Não se pode afirmar que seja necessariamente ilegal e inconstitucional uma solução jurídica que impossibilite a defesa plena de um arguido”, escrevem, num acórdão proferido em meados de Abril. “O legislador entendeu que os direitos que colidem com os bens protegidos pelo segredo de Estado devem ceder perante eles”, acrescentam.

Contactado pelo PÚBLICO, o hoje empresário desvaloriza a decisão, explicando que só teria servido de alguma coisa – caso lhe tivesse sido favorável – se proferida em tempo útil, o que não foi o caso, uma vez que o processo judicial em que foi sentenciado está encerrado. Apesar de dizer que fechou este capítulo da sua vida, antevê que as questões que estiveram na origem da sua condenação voltem a ser levantadas daqui a alguns anos, com consequências para certos governantes, primeiros-ministros incluídos. “Mas não serei eu a fazê-lo”, remata.

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