John O’Shea, o ícone da excelência no mundo dos comuns

Foi anunciado, nesta terça-feira, o final da carreira de um jogador muitas vezes banal, mas capaz de produzir momentos sublimes. Que o diga Luís Figo.

Foto
O'Shea (à esquerda) com Louis Saha e um ainda jovem Cristiano Ronaldo. Reuters/REUTERS/SIMON BELLIS

Uma “cueca” feita a Luís Figo e uma enxaqueca provocada por um jovem sportinguista chamado Cristiano Ronaldo é, para muitos, a sinopse da carreira de John O’Shea. Para outros – talvez a maioria –, este jogador é o pináculo da excelência no mundo dos comuns. Nesta terça-feira, o percurso do defesa/médio nos relvados chegou ao fim.

O desporto relembra pelo menos duas categorias: os melhores, capazes das coisas grandiosas, e os heróis improváveis, dos quais esperávamos pouco. No meio, existem os esquecidos: que mostraram talento, mas não foram magníficos. Este duro irlandês conseguiu escapar a esta categoria e entrou na tal dos heróis improváveis.

Todos sonhavam ser Ferdinand, Scholes e Giggs, mas ninguém almejava ser John O’Shea, um jogador que, apesar da falta do talento em doses suficientes para chegar à elite, contornou essa limitação com esforço, dedicação e a confiança de um dos melhores treinadores da história.

Para muitos, “Sheasy” foi, durante vários anos, um autêntico “filho” para Sir Alex Ferguson. Contratado pelo Manchester United com apenas 20 anos, este irlandês, que anunciou o final da carreira aos 38 anos, fez uns impressionantes 393 jogos pelo United. Um registo raro para qualquer jogador, mas mais raro ainda entre os que não nasceram “Figos” e “Ronaldos”.

O primeiro, curiosamente, chegou a sofrer este túnel de O’Shea, em 2003, num Manchester United-Real Madrid.

O segundo chegou a provocar dores de cabeça ao irlandês, no mesmo ano, quando tentava impressionar, em Alvalade, pelo Sporting, os dirigentes do Manchester United. Palavra de Alex Ferguson. “John O'Shea era o defesa-direito. O primeiro passe que Ronaldo recebeu fez-me gritar: ‘Por amor de Deus, John, fica junto dele!’ John encolheu os ombros. Um olhar de desorientação espalhou-se pela sua cara. Disse ao nosso roupeiro: ‘Vai ao camarote e diz ao Peter Kenyon [director desportivo] para vir cá abaixo ao intervalo.’ E apertei com o Peter: ‘Não vamos sair do estádio sem contratar este Ronaldo’. ‘É assim tão bom?’, perguntou ele. ‘John O'Shea terminou o jogo com uma enxaqueca’, respondi”.

Seja como for, o facto é que este irlandês teve uma carreira digna de respeito. Doze anos no Manchester United valeram-lhe, por um lado, o rótulo de “patinho feio” daqueles plantéis de estrelas, mas, por outro, o rótulo de homem imprescindível. A polivalência do irlandês – associada à resistência às lesões – deram-lhe sempre muitos minutos, com Ferguson, e o percurso em campo de O’Shea, um central de raiz, merece uma lista:

- defesa-central
- lateral-direito
- lateral-esquerdo
- médio-defensivo
- ala-direito
- avançado (caso pontual)
(…)
- guarda-redes

Sim, até como guarda-redes este jogador chegou a ajudar. Em 2007, numa partida frente ao Tottenham, Ferguson, com Van der Sar lesionado e sem substituições para fazer, teve de chamar, claro, o seu “bombeiro” preferido. O’Shea ainda fez quase uma mão-cheia de intervenções, levando os colegas ao delírio, no banco de suplentes.

Antes disso, em 2005, O’Shea já tinha garantido, num jogo frente ao Arsenal, que a Internet não se esqueceria dele. Nem o futebol. O aparentemente pouco abastado em talento fez um tremendo chapéu a Almunia e a cara de estupefacção do próprio O’Shea, no festejo, é, ainda hoje, um momento frequentemente recordado nas páginas de futebol.

O irlandês, claramente surpreendido pela façanha que acabara de fazer, parece, como estas imagens mostram, ter ficado dividido entre apostar num festejo “Sou o maior”, “à Cantona”, ou num festejo alegre, “à Giggs”. Acabou por fazer os dois.

Pelo Manchester United, O’Shea conquistou cinco vezes a Liga inglesa, quatro vezes a Supertaça inglesa, duas vezes a Taça da Liga, uma vez a Taça de Inglaterra, uma Liga dos Campeões e um Mundial de Clubes. Fez, ainda, 119 jogos pela selecção da Irlanda e foi a dois Europeus. Nada mau para alguém por quem nada se dava.

A carreira no United terminou em 2011, seguindo-se um percurso difícil no Sunderland. Foi opção frequente – e até capitão –, mas está associado ao pior período da história do clube, com descidas de divisão até à terceira categoria.

Em 2012, o United perdeu o título para o Manchester City, no último minuto da época, em pleno relvado do Sunderland. Como chegou a contar Alex Ferguson, John O’Shea, apesar de jogar no Sunderland, estava quase a chorar, no túnel, pelo descalabro do clube que lhe deu tudo.

A carreira termina, agora, no Reading de José Gomes, depois de uma temporada com apenas dez jogos realizados, no Championship.

John O’Shea: um jogador fascinantemente “banal”, mas capaz de produzir momentos sublimes. Perguntem a Luís Figo...

Sugerir correcção
Comentar