Pactos de governo em Espanha, só depois das europeias

Não é seguro que Sánchez e Rivera sigam a aritmética saída das urnas. As suas relações pessoais são execráveis e isso pode contaminar as relações políticas.

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As eleições espanholas produziram uma virtual maioria: PSOE e Cidadãos. Mas há outras opções, e sobretudo complicações, em cima da mesa. Os vetos cruzados de Albert Rivera, Pedro Sánchez ou Pablo Iglesias, tal como a irrupção do Vox, que marca a entrada da extrema-direita no Congresso, polarizaram a cena política de uma forma rígida: dois blocos estanques, esquerda e direita.

A derrota da direita era fatal desde há semanas mas era difícil prever a dimensão e a qualidade da vitória da esquerda. A qualidade diz respeito à capacidade de viabilizar uma maioria e garantir a governabilidade. O eleitorado respondeu em massa, confirmando o novo modelo multipartidário, cujas regras os dirigentes políticos ainda não assimilaram. A opção de Rivera, com a viragem à direita do Cidadãos, privou o quadro político de um partido-charneira centrista que poderia fazer de árbitro perante a polarização.

Não é seguro que Sánchez e Rivera sigam a aritmética saída das urnas. As suas relações pessoais são execráveis e isso pode contaminar as relações políticas. O Cidadãos fechou a porta ao “PSOE de Sánchez” desde a sua investidura como primeiro-ministro e justifica a sua estratégia pela prioridade de alijar Sánchez do poder, em função da questão catalã. Uma análise do El Confidencial, no sábado, tinha por título: “Objectivo de Sánchez para o 28 de Abril? Acabar com Rivera.”

Após longa hesitação, Sánchez acabou por manifestar a vontade de governar com o Unidas Podemos. Sabe-se que as juras e promessas não são eternas e podem ser desmentidas pela realidade. Pablo Iglesias é o primeiro a desconfiar do líder socialista.

Que outras opções estão em cima da mesa? A opção original de Sánchez seria governar em minoria, fazendo acordos com Iglesias, com os bascos do PNV e, inclusive, com o Cidadãos, de forma a libertar-se da dependência dos independentistas catalães. Os números são tangenciais: faltar-lhe-ia um deputado para uma maioria de alternativa ao Cidadãos. A criatividade táctica de Sánchez é proverbial.

É lógico que o PSOE venha propor conversações a Rivera. Tanto pode ser uma proposta credível como uma cilada para responsabilizar o Cidadãos pela inviabilização do mais natural pacto de governo. Note-se que, após a crispação da campanha, um acordo com Rivera não será popular na esquerda. Enquanto Sánchez fazia o que foi interpretado como uma abertura declarando “Não impomos cordões sanitários”, os militantes gritavam “Com Rivera, não”.

Também o cálculo de Rivera está longe de ser óbvio. A derrocada do Partido Popular pode incentivá-lo a persistir na estratégia de conquistar a hegemonia do centro-direita, mantendo a linha de oposição frontal ao governo do PSOE. Ambos estarão sob uma forte pressão – a começar pelos meios económicos – para que se entendam.

Pablo Casado e o Partido Popular merecem uma curtíssima referência. O seu lamentável resultado é a demonstração do erro de copiar o Vox. Não só contribuiu para o instalar nas instituições, como perdeu quatro milhões de votos e a credibilidade política. Nada de bom o espera nas eleições europeias. Não é só Pablo Casado quem cai. Terá sido o funeral político de um fantasma que há anos assombra o PP: José-Maria Aznar.

Para tirar conclusões é aconselhável deixar arrefecer a fúria da campanha. Há muito tempo. “As negociações reais para formar governo não começarão antes de 27 de Maio”, ou seja depois das eleições europeias, escrevia ontem no El País o politólogo Pablo Simón. O título da crónica, “A Espanha dinamarquesa”, aponta para a necessidade da “cultura de pactos”, que os políticos espanhóis demoram a aprender. Os espanhóis alinharam em blocos ideológicos heterogéneos mas acabaram por impor um quadro político parecido com a Dinamarca. Simón é optimista: “Então [após as europeias], ver-se-á se, além da política, também temos políticos com um ar dinamarquês.”

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