De olhos voltados para a Espanha

O PSOE lidera as sondagens porque se tornou o partido refúgio contra fantasmas que a Espanha julgava ter controlado: o ódio da “alma adormecida” da velha Castela contra as outras nacionalidades

O título de uma fotogaleria na edição online do PÚBLICO de ontem (Vamos a eles. Acordaram a alma adormecida da Espanha) vale muito mais como aviso do que uma constatação. A frase, atribuída aos militantes do partido de extrema-direita Vox, não cola com a verdadeira alma da Espanha de hoje, um país moderno, aberto, cosmopolita e europeu. Mas traz à luz do dia essa outra alma da Espanha que resistiu na sombra à transição, à democracia e à Europa. A alma do nacionalismo franquista, a alma do clericalismo intolerante, a alma do ódio que leva um partido a dirigir-se aos outros com um sério “vamos a eles”. Hoje, dia de eleições, tudo indica que a alma da Espanha moderna que conhecemos e admiramos prevalecerá no poder. Mas não sabemos que apoio terá a extrema-direita nem que sementes de instabilidade um sistema político polarizado, um independentismo irredutível e um parlamento fragmentado vai esta eleição deixar na Espanha.

Com o Vox a arrastar o PP para a direita e a afastar o Ciudadanos do centro político, quem hoje parece ocupar o espaço da moderação é o PSOE – estranhos os tempos em que jornais que dão expressão aos valores do capitalismo global, como a The Economist ou o Financial Times, pedem o voto num candidato socialista. Ainda que possamos perceber matizes desta moderação no discurso do Ciudadanos e até do Unidos Podemos numa clara via para a social-democratização, o PSOE lidera as sondagens porque se tornou o partido-refúgio contra fantasmas que a Espanha julgava ter controlado: o ódio da “alma adormecida” da velha Castela contra as outras nacionalidades, a vontade de acabar com as autonomias e de regressar ao estado centralizado do franquismo, o instinto em usar e abusar da autoridade do Estado para uniformizar um país na sua essência multifacetado e rico.

Com a Catalunha a pairar nas eleições como o monstro que despertou os herdeiros dessa Espanha autocrática, iliberal e oligárquica, o que resultar destas eleições será muito mais do que uma provável solução de Governo ou o prenúncio de uma era de instabilidade que obrigará à quarta consulta aos eleitores em apenas quatro anos. Será também um teste que a Espanha europeia fará a si própria. Saber quanto vale a ideologia nacionalista e extremada do Vox, perceber que efeitos teve a aproximação do PP à direita musculada e saber quanto valem hoje os partidos independentistas é crucial para percebermos que tipo de Espanha vamos ter como vizinha: se aquela com a qual partilhamos um destino europeu, se a tal “alma adormecida” da qual nem vinha bom vento nem bom casamento.

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