Estado reforça apoios a famílias que recebam crianças em risco

Governo promete aumentar a prestação social de famílias seleccionadas para acolher crianças em perigo retiradas aos pais biológicos. Consulta pública começa nesta sexta-feira e vai durar um mês.

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Paulo Pimenta

Mais apoios em dinheiro para famílias de acolhimento, seleccionadas com maior exigência e acompanhadas de forma mais permanente. É o que propõe o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) para contrariar a tendência em Portugal de colocar em instituições as crianças que, por se considerar que estão em perigo, são retiradas aos pais biológicos e não podem ficar junto da família alargada.

O diploma, que o ministério quer que seja aprovado em Conselho de Ministros “o mais rapidamente possível”, para reforçar o número de famílias de acolhimento, vai estar aberto a consulta pública a partir desta sexta-feira 26 de Abril e até 27 de Maio.

Susceptível de ser revista face às sugestões e contributos apresentados durante este mês, a proposta pretende tornar mais frequente a entrega das crianças a famílias de acolhimento, uma medida raramente decretada pelos tribunais de família ou aplicada por comissões de protecção de crianças e jovens, mas consensualmente entendida como mais benéfica para o jovem se a escolha da família for criteriosa e a sua avaliação estiver garantida.

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Em 2017, apenas 246 crianças ou jovens, de um total de 7553 que se encontravam à guarda do Estado no final desse ano, estavam colocados em famílias (distintas da família alargada da criança retirada aos pais biológicos), de acordo com os dados mais recentes, mencionados no último Relatório CASA - Caracterização Anual da Situação do Acolhimento, do Instituto da Segurança Social.

O acolhimento familiar para crianças e jovens em perigo existe na lei como medida recomendada e prioritária, em especial para as crianças até aos seis anos. Porém não existem famílias em número suficiente, que estejam prontas ou aptas, para fazer face às necessidades.

Só 178 famílias

Quando um tribunal ou uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens considera ser essa a melhor solução para a criança, só muito raramente encontra essa resposta disponível. Em 2017, existiam 178 famílias de acolhimento. Até ao momento, o regime que define condições, critérios de selecção e incentivos financeiros (na forma de apoios) a atribuir às famílias não foi adaptado à nova Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) em vigor desde 2015.

O projecto de decreto-lei que entra em discussão pública nesta sexta-feira propõe que uma família de acolhimento passe a receber em regra cerca de 523 euros por mês. No regime actual recebia 330. Se a criança acolhida tiver menos de seis anos, passa a ser aplicada uma majoração de 15%, o mesmo acontecendo nos casos em que a criança (ou as crianças) com mais de seis anos tenha uma deficiência. Se a criança for em simultâneo portadora de deficiência e menor de seis anos, a família que a acolhe receberá 691 euros.

Até agora, o montante que a família recebia dividia-se em duas parcelas, um subsídio de retribuição e outro para manutenção (atribuído a cada criança acolhida). Na proposta, os dois fundem-se e um único subsídio mensal será atribuído. A este, juntam-se todas as prestações sociais previstas e que se adaptem à situação das famílias – como o abono de família, a bonificação por deficiência ou subsídio por assistência a terceira pessoa, entre outros.

Alternativa ou prioridade?

Actualmente, existem famílias de acolhimento no Norte do país, resultantes de protocolos assinados com instituições particulares de solidariedade social (IPSS) – como a Mundos de Vida – a quem o Estado reconhece competência para escolher e acompanhar as famílias que acolhem crianças. ​

Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem pronto desde 2017 um projecto para avançar com uma campanha de divulgação e selecção de famílias em Lisboa, mas aguarda luz verde do Instituto da Segurança Social para o fazerem em simultâneo no conjunto do país.

Só agora, o Governo declara como um objectivo seu o alargamento do leque destas famílias – em número e cobertura geográfica. O que se pretende, no ministério de António Vieira da Silva, é que com as novas medidas “se ressuscite o interesse na família de acolhimento”.

Será esta apenas mais uma medida alternativa ao acolhimento em residência? Ou passará a ser prioritária? “O objectivo é que haja um alargamento das famílias de acolhimento” em número e em distribuição por concelho “para que possam ser uma alternativa” à institucionalização das crianças e jovens em perigo, faz saber o MTSSS.

“Se depois a decisão da comissão de protecção ou do tribunal a considera prioritária” não depende do Governo. “Se estamos a repensar a medida, temos que ter confiança no sistema de que, passando essa resposta a ser mais efectiva, todos os actores vão contribuir para que ela seja mais implementada. Temos que olhar para o acolhimento familiar – revisto e repensado com este diploma – como uma nova oportunidade.”

Este modelo foi “congelado”, declarou a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, em Novembro do ano passado, até que existissem meios para uma avaliação rigorosa das famílias de modo a garantir a segurança e integridade dos menores acolhidos. Cinco meses depois, esta medida, recomendada de forma veemente por especialistas, surge sob a forma de um compromisso claro do Governo no fim da legislatura.

“O reforço necessário dos meios está a ser feito paulatinamente”, garante fonte do MTSSS, quer através dos recrutamentos [de funcionários do Instituto da Segurança Social] em curso, quer através do aumento dos apoios a esta medida” que cheguem às famílias ou que permitam alargar os protocolos de cooperação com as IPSS certificadas para esta função.

Mais mudanças

Para impulsionar esta opção, deixa também de ser exigido a um dos elementos da família constituir-se como trabalhador independente, em contrato de prestação de serviços, para receber o que o Estado definia como subsídio de retribuição, acrescido de um apoio para compensar os encargos com as crianças acolhidas.

No ministério do Trabalho, admite-se a possibilidade de essa exigência ter sido “dissuasora” porque equiparava o acolhimento a uma ocupação com uma remuneração. O conceito passa a ser outro: “Esta função deixa de ser associada a uma profissão. A família de acolhimento é uma resposta, não é uma profissão.”

Além disso, quem acolhe crianças em risco passa a beneficiar dos mesmos direitos previstos no Código do Trabalho para pais de crianças em idade escolar, como a possibilidade de se ausentar do trabalho por motivo de doença da criança ou outro tipo de acompanhamento aos menores sob a sua responsabilidade. 

Esses direitos dos pais biológicos passam a ser extensíveis às famílias de acolhimento, o que reforça o argumento do MTSSS que apresenta esta como uma mudança “muito grande no paradigma do acolhimento familiar”.

Após a consulta pública, o projecto será aprovado em Conselho de Ministros, com os ajustes que o Governo entender introduzir, e depois levado à apreciação do Presidente da República. 

Até lá, continua a vigorar o regime aprovado em 2008, relativo à primeira Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de 1999.

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