Documento de trabalho mostra que Governo propôs acabar com PPP na saúde

O Bloco chegou a anunciar um acordo com o Governo em matéria de Lei de Bases de Saúde referindo-se a um documento que, nas palavras do executivo, era afinal apenas um documento de trabalho. Expresso revelou-o nesta sexta-feira.

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Costa assumiu cedência a Marcelo LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Na madrugada daquele que seria o “último dia para votações indiciárias no Grupo de Trabalho ‘Nova Lei de Bases da Saúde'”, o jornal Expresso revela um documento do Governo que mostra que o executivo de António Costa chegou a propor aos parceiros da esquerda a saída dos privados do sector da Saúde. O texto tem um anexo com um guião para contornar o anunciado veto presidencial e com as datas mais importantes dessa estratégia: a primeira é precisamente 26 de Abril, o dia das supostas votações.

A proposta a que o Expresso teve acesso data de 27 de Março deste ano e foi referida publicamente pelo primeiro-ministro num dos últimos debates quinzenais. Com base nesse texto, o Bloco de Esquerda chegou a anunciar ter chegado a “acordo” com o executivo para acabar com novas parcerias público-privadas (PPP) na saúde, enquanto o Governo optou sempre por se referir ao texto como uma “versão de trabalho”.

Em comunicado enviado na altura às redacção, o executivo garantia não ter fechado “qualquer acordo com um partido em particular” apenas tendo participado “num processo com vista à convergência de posições políticas com os partidos que activamente têm procurado construir uma nova Lei de Bases da Saúde, que proteja o SNS universal, público e tendencialmente gratuito”. 

Cedência a Belém

Na terça-feira, dia 24, foram finalmente reveladas as propostas de alteração do PS em matéria de Lei de Bases da Saúde e o acordo com a esquerda não se confirmou, assim como não avançaram algumas ideias acrescentadas ao documento pela própria ministra da Saúde. Os socialistas não retiraram os privados do sector da saúde, aproximando-se do PSD e cedendo às pressões do Presidente da República

À frase escrita no documento de trabalho – “a gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública” – o PS acrescentou outra, que faz a diferença: “podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas ou do sector social”.

Estaria, assim, aberto o caminho a uma promulgação do diploma. Mas este ainda precisa de ser aprovado pelos deputados da Assembleia da República. A dificuldade, porém, é conseguir o amplo consenso a que se referia inicialmente o Presidente, juntado esquerda e direita. O PSD já veio abrir a porta a um entendimento com o PS, mas o BE pôs de parte, mostrando-se chocado com essa possibilidade.

Esta sexta-feira à tarde, o grupo de trabalho discute as propostas de alteração à Lei de Bases da Saúde e ficarão a perceber-se melhor as sensibilidades dos diferentes partidos. Para já, o que se sabe é que o primeiro-ministro assume o recuo, rejeitando polémicas. “Não há polémica nenhuma. É normal. O Governo fez o que lhe cabia fazer, apresentou a sua proposta de lei. Pode acompanhar, ajudar, esforçar-se para que os partidos aproximem posições, mas a decisão é da AR”, disse António Costa em São Bento, no Dia da Liberdade.

“Tendo em conta o debate na sociedade, na AR e as opiniões que o Presidente tem expressado publicamente sobre esta matéria”, o PS ajustou a sua posição e isso mudou o rumo da conversa que o Governo vinha tendo com o BE, acrescentou ainda. 

Braço-de-ferro

Recorde-se que a intenção inicial do Governo, tal como o PÚBLICO já havia noticiado, era afrontar Marcelo Rebelo de Sousa, levando a maioria de esquerda a reconfirmar, no Parlamento, uma lei eventualmente vetada. “O primeiro-ministro e líder do PS, António Costa, está decidido a negociar e aprovar o diploma com os parceiros de aliança parlamentar, o BE e o PCP. E se Marcelo Rebelo de Sousa vier a vetar a lei por ela não ser negociada com o PSD, o PS avançará para a sua reconfirmação parlamentar nos mesmos exactos termos em que ficar aprovada, soube o PÚBLICO”, escrevia o PÚBLICO a 23 de Março.

Já esta semana, o Presidente da República disse, na RTP3, que a sua resposta sobre a Lei de Bases da Saúde “não é ideológica, é pragmática”. E explicou: “Uma lei que feche totalmente essa hipótese é uma lei irrealista. A gestão pública do SNS integral não é possível (...). O inteligente é prever fórmulas que tenham válvulas de escape. Traduzirá porventura o estado de espírito da maioria deste momento, mas permitirá acautelar a possibilidade, no futuro, de prestações de saúde por parte do sector privado.”

Costa garante agora que há diálogo para garantir o maior consenso possível - e ao que o PÚBLICO apurou as conversas continuam -, mas, contas feitas, no final do dia, o que já está assegurado é o apoio do PSD: "Se o PS se aproximar do PSD, votaremos favoravelmente”, assumiu Rui Rio. 

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