Pode a entrada de um hotel de cinco estrelas ser feita por um edifício público?

O antigo casino das termas das Caldas da Rainha deverá ser transformado na recepção de um hotel de luxo que o grupo Visabeira pretende construir nos Pavilhões de Parque.

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rui Gaudencio

Privatização do espaço público ou a entrada nobre – e óbvia – de um hotel de cinco estrelas? A polémica está instalada nas Caldas da Rainha em torno do hotel de cinco estrelas que vai ser construído nos designados Pavilhões do Parque e cujo projecto prevê que a recepção ocupe um edifício que já foi casino, mais tarde Casa da Cultura, e ultimamente uma disfarçada ruína que é atravessada por um corredor com um céu de vidro.

É esse imóvel, que constitui hoje uma das entradas nobres do Parque D. Carlos I, que deverá ser transformado na recepção do Montebelo Bordallo Pinheiro, um hotel de cinco estrelas com 214 camas que representa um investimento superior a 14 milhões de euros para o grupo Visabeira. O hotel propriamente dito ocupará os Pavilhões do Parque, mas o projecto prevê a construção de um edifício intermédio que o ligue ao antigo casino.

Embora as críticas sejam transversais ao espectro partidário, o PCP tem sido um feroz opositor daquilo que considera uma privatização do espaço público. O eurodeputado daquele partido, João Pimenta Lopes, visitou recentemente o local e apontou para a placa que diz Património do Estado, desejando que o edifício continue com uso público. E anunciou que vai perguntar à Comissão Europeia se os fundos comunitários do programa REVIVE (destinados à recuperação do património estatal devoluto para fins turísticos) estão a ser bem aplicados neste projecto.

José Carlos Faria, dirigente local do PCP, diz que os próprios Pavilhões do Parque serão totalmente esventrados, sobrando apenas a casca, no que considera “uma severa adulteração da tipologia arquitectónica do edifício” e consequente perda de identidade. E chama a atenção que não só o antigo casino será modificado e colocado ao serviço do hotel, como está prevista a construção de raiz de um edifício de ligação que barra a entrada do parque a partir do largo do Hospital Termal, em plena zona histórica da cidade.

O projecto ainda não teve o aval da Direcção Geral do Património, mas já foram corrigidos alguns desmandos que inicialmente mereceram uma crítica quase unânime na cidade: a construção de um parque de estacionamento subterrâneo no Parque D. Carlos I que punha em causa os aquíferos termais.

Rui Gonçalves, ex candidato à presidência da câmara das Caldas pelo CDS/PP, foi um dos opositores à primeira versão do projecto do hotel, mas diz que agora não vê motivos para estar contra. Pelo contrário, valoriza o facto de “um grupo empresarial vir em boa hora reabilitar um conjunto de edifícios icónicos da cidade, em acelerado processo de degradação”. E recorda que foi a “incompetência do Estado” que determinou este abandono dos Pavilhões do Parque, os quais foram tutelados pelo Ministério da Saúde, que nunca os recuperou e os entregou ao município em 2011.

O também arquitecto diz que não faz sentido que um hotel de cinco estrelas “tenha a sua entrada escondida algures na porta dos fundos” e que “ninguém no seu perfeito juízo faz um investimento de quase 20 milhões de euros para lhe determinarem, por decreto ou por discussão pública, onde deve ser feita essa entrada”. Recorda ainda que o antigo casino é um edifício que, do ponto de vista legal, “pode ser concessionado a privados que se propõem reabilitar aquilo que o Estado deixou destruir”.

Em sintonia está o social-democrata Paulo Lemos, que foi secretário de Estado do Ambiente durante o governo de Passos Coelho. O caldense diz que “os Pavilhões são um ex libris da cidade, mas há muito que representam uma imagem de degradação”. Por isso, saúda a vinda de um hotel ligado à actividade termal para aqueles edifícios. E pergunta: “Qual é a alternativa? Deixar os pavilhões desabar? Reconstruir os pavilhões com o dinheiro dos contribuintes? E depois fazer-lhes o quê?”.

O projecto do hotel ainda não passou do papel e aguarda as autorizações necessárias para se desenvolver numa zona sensível do ponto de vista patrimonial. Quando, há oito anos, a câmara das Caldas foi obrigada a receber do Ministério da Saúde os Pavilhões do Parque, não faltaram ideias para a sua utilização, mas o seu grau de degradação era tão elevado, correndo mesmo risco de desabamento, que o município decidiu em 2016 lançar um concurso público para a sua concessão para fins turísticos. O grupo Visabeira - que já possui na cidade a Fábrica Bordalo Pinheiro – foi o único concorrente.

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