Sobre a idade da reforma

Um desejável compromisso entre partidos políticos sobre a reforma da Segurança Social tem de ser baseado na ideia fundamental de que o que está em causa é o bem-estar das gerações futuras.

Nos últimos dias foram feitas afirmações sobre Segurança Social, sendo que algumas delas têm de ser avaliadas no contexto da campanha eleitoral que se aproxima.

Um exemplo dessa atitude é a de classificar o estudo apresentado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos como um prenúncio para privatizar a Segurança Social, quando nada nesse estudo aponta para a criação de fundos privados para gerir os chamados complementos de reforma.

Outro ponto abordado tem a ver com a idade da reforma. Basta analisar a evolução da esperança de vida da população portuguesa, ao longo das últimas décadas, para verificar que o prolongamento da vida ativa é consequência natural dessa evolução, para a qual muito contribuíram as fantásticas inovações que se foram operando ao nível da medicina.

Em 1960 e em Portugal, a esperança de vida era de 63 anos; em 1980, de 71 anos; em 2000, de 76 anos; e, em 2018, atingiu-se os 81 anos. Significa esta evolução que nos anos sessenta do século passado, em média, morria-se antes de se atingir a idade da reforma, nos anos oitenta, em média, um aposentado vivia pouco mais de seis anos nessa situação e, em 2018, esse período é de mais de 15 anos.

Felizmente que a tendência aponta para que a esperança de vida continue a ser cada vez mais elevada, o que vai acarretar consequências, uma delas bem clara, pela qual será cada vez menor a população ativa e cada vez mais numerosa a população aposentada. Isto significa que serão cada vez menos os que contribuem financeiramente para a Segurança Social e cada vez mais os que beneficiam financeiramente do sistema. Daí falar-se na necessidade de ser assegurada, a prazo, a sustentabilidade financeira da Segurança Social.

Ainda sobre a idade da reforma. Se fizermos uma projeção sobre a esperança de vida para 2050, na base de uma taxa de crescimento anual de 2,5%, que significa prever uma evolução minimalista porque as taxas de crescimento entre as últimas décadas têm sido todas superiores a 3%, chegaremos a uma idade média de esperança de vida de 86 anos.

Hoje, o tempo médio de vida de um aposentado situa-se nos 16 anos (esperança média de vida de 81 anos menos a idade de reforma, que é de 65 anos). Se a opção política for a de manter para o futuro o mesmo tempo médio de vida do aposentado de hoje, chegaremos, em 2050 e com base no pressuposto de um crescimento médio entre décadas de 2,5%, a uma idade de reforma de 70 anos (86 anos de esperança média de vida menos o tempo médio de vida de um aposentado de hoje, que é de 16 anos).

Esta extensão da idade de reforma, que teria de ser progressiva, não é a única solução com vista a garantir o contrato existente entre gerações, que é a base do nosso sistema de segurança social. Haverá por certo outras possibilidades, nomeadamente a alteração do modelo do financiamento, diversificando as suas fontes.

Se nada for feito, tal como o próprio Governo já afirmou, o Fundo de Estabilização Financeira (FEFSS) terá de ser mobilizado a partir de meados da década de 2020, projetando-se para a segunda metade da década de 2040 o seu esgotamento. Esta conclusão é idêntica à referida no estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

A preocupação com a sustentabilidade da Segurança Social não é de hoje. Já em 1989, a criação do Fundo de Estabilidade da Segurança Social, que em boa hora surgiu com base numa ideia que me foi proposta pelo ministro das Finanças de então, Miguel Cadilhe, e à qual eu, na qualidade de ministro do Emprego e da Segurança Social, aderi com o maior entusiasmo, é prova de uma decisão política que teve como objetivo direto contribuir, a longo prazo, para essa sustentabilidade.

O importante a reter é que qualquer decisão sobre as medidas que serão necessárias tomar para garantir a sustentabilidade da Segurança Social podem não colher fácil simpatia, se vistas numa perspetiva de curto prazo ou segundo uma visão egoísta da atual geração.

Por isso, um desejável compromisso entre partidos políticos sobre a reforma da Segurança Social tem de ser baseado na ideia fundamental de que o que está em causa é o bem-estar das gerações futuras.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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