Caixa “vende” Mercedes diesel com desconto agressivo na taxa de juro

Banco público está a convidar milhares de clientes a comprar um Mercedes-Benz Classe A, com recurso a crédito, com uma taxa nominal de 1,3%. O financiamento da instituição para a compra de carros amigos do ambiente é feito a juros acima de 8%

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Paulo Macedo, presidente da CGD, "acelera" no crédito para a compra de Mercedes Nuno Ferreira Monteiro

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) acaba de lançar uma campanha de crédito “com condições únicas”, segundo descrição da própria instituição, para a compra de um modelo específico da Mercedes-Benz. Trata-se do Classe A 180, diesel, a adquirir sob a forma de leasing, sistema em que a propriedade do automóvel só passa para o cliente depois de integralmente pago, neste caso em 72 mensalidades (seis anos), e uma renda mensal de 331,42 euros.

Nas condições de mercado actuais, a taxa de juro subjacente à campanha “Chegou a hora de ter o seu Classe A” é muito reduzida. Desde logo, é oferecido um spread ou margem comercial fixa de 1,5% (muito perto do valor mínimo exigido para o crédito à habitação, que tem garantia de hipoteca). A este valor é somada a Euribor a 12 meses, que, como actualmente está em valor negativo de 0,109 (dados de Abril), acaba por reduzir a taxa anual nominal (TAN) para 1,391%.

Segundo a informação apresentada pela Caixa e tendo em conta que num empréstimo há outros encargos (despesas e comissões), a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG), a que é efectivamente paga, sobe para 2%, tendo por base o valor de aquisição de 29.750 euros, por um prazo de 72 meses, sem entrada, mas com um valor a pagar no final do prazo, correspondente a 25%, ou a 7437,50 euros. No final do empréstimo, o montante suportado pelo consumidor ascende a 31.968,55 euros.

Mesmo considerando os 2%, trata-se de uma taxa de juro muito reduzida, e é especialmente baixa para um crédito ao consumo quando comparado com outras ofertas de mercado, podendo criar um efeito de contágio. Apesar de atractiva, a taxa de juro pode variar no futuro, em função da oscilação das taxas Euribor, podendo agravar os encargos com juros. No caso de incumprimento, a propriedade do automóvel é da Caixa.

A campanha, que já chegou às caixas de correio electrónico de milhares de clientes, foi avançada pelo Jornal Económico, que cita fonte oficial do banco público justificando a campanha com necessidade de atingir “metas extremamente exigentes decorrentes do plano de recapitalização acordado com as autoridades europeias”.

Em resposta ao PÚBLICO, a instituição deixou cair o argumento da recapitalização, sustendo a iniciativa no facto de a concessão de crédito ser “uma actividade central para a Caixa (…)”. E de o crédito ao consumo ser “uma actividade de crédito onde a CGD está muito longe daquela que seria a sua quota (…)”. Acrescenta ainda que “a Caixa não pode deixar de oferecer produtos e serviços que os seus clientes valorizam e procuram, como é o caso da actual campanha, com os ajustados critérios de risco”.

A instituição presidida por Paulo Macedo garante que “o impacto [de uma eventual subida da Euribor] no orçamento das famílias é aferido no momento da análise e decisão do financiamento”. Numa altura em que do Banco de Portugal tem saído sinais de preocupação em relação ao crescente endividamento das famílias, o banco público garante que o cumprimento de “critérios rigorosos de avaliação”, bem como o permanente “cumprimento das orientações do regulador”.

Sobre uma eventual desvalorização dos carros a diesel, como alertou recentemente o ministro do Ambiente, dada a aposta crescente, inclusive do Governo, por automóveis “amigos” do ambiente, a Caixa lembra que “os veículos diesel lideram as vendas (61% das vendas de ligeiros em 2018, segundo a  ACAP) e as ofertas alternativas existentes ainda estão a preços não acessíveis à generalidade dos portugueses, pelo que a transição demorará ainda algum tempo a ocorrer e, consequentemente, a desvalorização dos veículos diesel, também, entretanto, muito menos poluentes”.

Juros acima de 8% para eléctricos

A campanha “Chegou a hora de ter o seu Classe A” tem a duração prevista de dois meses, terminando a 30 de Junho, e é complementada com um desconto de 10% no seguro se for contratado na Caixa, embora seja assegurado pela Fidelidade. Segundo fonte da caixa, e para além dos pontos de venda (da Mercedes), e canais online, o produto será publicitado na imprensa.

Bem longe das condições agora oferecidas estão outros produtos para a compra de carros com financiamento da Caixa, apesar do esmagamento de margens (spreads) a que se tem assistido nos últimos dois anos. Ao PÚBLICO, fonte oficial da CGD garante que, em média, a TAEG da restante oferta de leasing se fica pelos 2,4%, embora no site seja anunciado 4,9% “para exemplo obrigatoriamente tipificado”. O spread anunciado nesta oferta é de 3,750%, e obriga a entrada de 20%.

Para o Crédito Auto Amigo do Ambiente, ou seja, a compra de viaturas híbridas ou eléctricas, a TAEG anunciada é de 8,2% se for associada à Euribor a 12 meses (com spread de 6,150%) ou 8,6% se for taxa fixa.

O Banco de Portugal, contactado pelo PÚBLICO, recusou-se a responder a várias questões, nomeadamente sobre a campanha da Caixa e sobre o risco de, como está acontecer na “guerra” dos spreads, de se assistir ao lançamento de campanhas idênticas por outros bancos, incentivando a nova escala de crédito ao consumo. O supervisor limitou-se a esclarecer que “não aprova previamente a publicidade que as instituições de crédito fazem aos seus produtos e serviços bancários de retalho (…)”. E que as instituições “estão obrigadas ao cumprimento do quadro normativo em vigor quanto à transparência da informação prestada na publicidade e às características dos produtos de crédito aos consumidores (…)”.

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