Não basta “bater” no sr. Trump

A esperança de mudança reside na sociedade civil e num movimento ambientalista forte, unido, que difunda o seu discurso “radical”, sem concessões e baseando-se numa agenda própria que não se limite a ir atrás dos prejuízos gerados pelas agendas oficiais.

Claro que o sr. Trump merece que repudiemos a sua muito condenável e perigosa postura. O que ele diz, o que ele faz, o que ele diz que vai fazer é assustador pela dimensão planetária das consequências da sua conduta. A eventual aliança negra com o sr. Bolsonaro para acelerar a destruição da Amazónia é demoníaca.

Mas entre nós, pacatos portugueses, também algo vai muito mal. Se aliviamos a alma, “batendo” em quem merece, apesar de às vezes ser apenas na onda do politicamente correcto, revelamos uma enorme contradição, de discurso e de postura, quando à nossa escala, contribuímos para a desgraça. Nossa e global. O discurso unânime de que a vida só melhora se crescermos indefinidamente, se nascermos em maior número e se consumirmos mais e mais, não bate certo com o grito de alarme de que estamos a esgotar os recursos, a alterar o clima drasticamente, a poluir o ar, a água e o solo de uma forma avassaladora, em suma, de que estamos a aniquilar o planeta.

Será que estamos a mudar? Há trinta anos arranquei eucaliptos em Valpaços, ilegalmente. A GNR carregou sobre os revoltosos, cumprindo a sua missão. Do que estava à espera? Recentemente, o Presidente da Republica também arrancou eucaliptos, legalmente, claro. Mesmo assim... não estava à espera. E porquê a sua atitude? Alguma coisa mudou no entretanto? Sim. Hoje estamos pior.

De vez em quando ocorrem epifenómenos muito ampliados pela mobilização facilitada pelas redes sociais. Mas estaremos mesmo a reagir de uma forma consistente ou apenas tentamos adiar a data de um desfecho tão mau quanto previsível?

Mudar implica dor. Dor a infligir a quem, com poder ou que estando no poder, admitimos, ingenuamente, que talvez queira mudar. Mas também e principalmente, dor para nós próprios, porque todos vivemos de excessos de que custa abdicar, deixar de usufruir.

Num ano de múltiplas eleições que neste contexto tendem a agravar a situação, os destinatários deste artigo já não são os governantes, nem sequer muitos dos responsáveis autárquicos já que acolhem com entusiasmo o que envolva obra rápida com dinheiro fácil. Quando uma oportunidade de “desenvolvimento” surge, agarram-na sempre, independentemente das consequências desastrosas que possam implicar para a “sua” região, num futuro que mesmo que seja próximo, nunca será o suficiente para afectar o desempenho do mandato.

É inaceitável a postura de arrogância que o Governo demonstra quando, afirmando que aguarda com serenidade o resultado do novo estudo de impacto ambiental para o aeroporto do Montijo, também reafirma que a obra é para avançar. Mesmo antes de conhecer o resultado! A forte aposta do executivo em despoletar numa grande escala a exploração de minérios, de lítio em particular, é assustadora, mais ainda porque se poderão abrir (mais) feridas em territórios com elevada importância ambiental. Os autarcas só reagem, só vão reagir, quando os cidadãos, atolados até ao pescoço, se manifestarem contra algo já consumado. E reagirão sob uma ameaça que os pode fazer cair dos pedestais de poder em que alguns se tentam eternizar ou por onde se movem, quais praticantes dessa “economia circular” hoje em voga. 

Este é o discurso radicalista de quem está sempre contra qualquer projecto de investimento. É o que dirão os que também se aproveitam do ambiente, da biodiversidade, da vida selvagem apenas para embelezar a promoção de interesses económicos, esverdear uma conduta que recorre a estes adereços para obter mais dinheiro a aplicar em obras que comprometem o futuro de todos.

A história está cheia de casos contra quem teve razão antes de tempo. E no enredo que aqui trago, dois exemplos bastam para o evidenciar. O drama dos fogos florestais não está resolvido porque o problema reside na composição da floresta que não temos e que importa recuperar. Nada de substancial mudou. Depois de Pedrogão, em 2017, 2018 foi um ano “bom”, dizem os responsáveis. Como assim? Mesmo com ajuda da meteorologia, a serra de Monchique foi devastada!

O excelente artigo há dias publicado no PÚBLICO sobre o lado negro do Alqueva e do Alentejo profundo é a prova de que não decidimos perante o saber comprovado, os pareceres cientificamente suportados, mas apenas quando o ar já se revela irrespirável, os solos estão contaminados, a biodiversidade seriamente aniquilada. O problema é também esse. O cidadão português só se revolta quando a sua casa já está a arder, altura em que obriga os políticos a lançar dinheiro sobre os desastres que a partir daí se tornam crónicos. Lembro-me da revolta que manifestei quando vi oliveiras centenárias serem arrancadas e cortadas para lenha ou transportadas para ornamentar jardins no estrangeiro. No seu lugar plantaram-se estacas de crescimento rápido e de produção quase imediata. No Alentejo e em Trás-os-Montes. Com dinheiros comunitários. Os mesmos fundos que também se disponibilizam, para conservar os olivais tradicionais! O resultado está agora à vista.

A esperança de mudança reside na sociedade civil, na sua capacidade de reagir consistentemente e num movimento ambientalista forte, unido, que difunda o seu discurso “radical”, sem concessões e baseando-se numa agenda própria que clarifique o que pensa da floresta, da caça, das áreas protegidas e não se limite a ir atrás dos prejuízos gerados pelas agendas oficiais.

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